Palavralgia
Nas minhas horas vazias,
Procuro encontrar um lugar em mim mesma.
Um lugar pleno do que mais preciso.
Onde todas as vozes se calam para
O silêncio dizer todas as coisas.

Nas horas cheias, estou no exterior,
No estrangeiro, no estranho necessário.

Nas minhas horas vazias,
Volto ao país de mim mesma e
Encontro o espaço em que reconheço
As verdades, as meias verdades e
até as mentiras, que parecem verdades.

Nas horas cheias, me multiplico,
me divido, me reparto e
fico cheia de mim aos pedaços,
como um balão, cujo gás se esvai e
jaz murcho e inerte em meio a turbulência festiva.

Nas minhas horas vazias,
sou plena de horas e de chão,
me espalho pelo país de mim mesma,
me encontro comigo e
me remonto inteira,
pronta a cruzar uma nova fronteira.
Palavralgia
O poeta nasce após nove meses de gestação,
Mas é um ser diferente.
Nasce com olhos que ouvem,
Ouvidos que enxergam e
Mãos que falam.
Respira por todos os poros,
Traduzindo tudo em palavras que
Se encaixam numa perfeição divina
Perpetuada pela eternidade.
O poeta é o único ser que
Contraria os princípios evolutivos da humanidade
Porque ele nasce, cresce e não morre.
Palavralgia
Eu sou!

Tudo por um cabelo esticado na chapinha e os olhos bem delineados. Batom, eu gosto dos bem suaves e brilhosinhos.

Estas são armas infalíveis para enfrentar a vida.

Na hora cinzenta, nada como  blush tom bronzeado e sombra douradinha brilhante, trazida da Europa pela amiga de muitas horas.

Rimel é o poder, aconselha outra grande amiga! Levanta a auto-estima. Simplesmente, não dá mais para viver sem rimel! Qualquer olhinho caído toma ares de felicidade!

Por falar em felicidade, o caminho passa aqui perto. Mas, se a tristeza persistir, corretivo nela, cor da pele para debaixo dos olhos, peito estufado e é vida que segue. Não dá para deixar a peteca cair.

Falando em peteca, lembrei de pular corda. Este foi conselho médico: pular corda todos os dias para suar bastante e renovar as energias. Não deixar a peteca cair também faz o mesmo efeito, melhor ainda se um parceiro (a) entrar na brincadeira para ajudar com a peteca. Mas se ela cair, pega ela, joga para cima e começa de novo.

O poder redobra no salto. Nada de cabeça baixa;  sobe no salto, mesmo que num saltinho, que tudo toma outra perspectiva.

É sempre providencial ter um amigo ao alcance da mão, ou melhor, do celular, rir bastante de bobagens e nunca se esquecer de retocar a maquiagem.

Tristeza, diz a poeta, não tem pedigree, mas a vontade de alegria tem raízes profundas.

Sabe o que dá a maior força para encarar a vida de frente? Após finalizar com o brilho labial, olhar-se no espelho, piscar os cílios bem alongados e perguntar-se a si mesma: quem se dobra e desdobra para sempre conseguir dar a volta por cima?

Sou eu!
Palavralgia
Sempre escrevi em agendinhas de bolsa, cadernetinhas de anotações, caderninhos e, dependendo da situação, em capas e marcadores de livros, guardanapos, notas de supermercados e até nos comprovantes de débito automático, aqueles papeizinhos amarelos ou azuis que ficam, aos quilos, na carteira e na bolsa da gente.

Disse a mim mesma: que é isso? Assim não é possível. Tem que ter um lugar direito para escrever! A poesia merece um lugar digno. Parei então numa super papelaria e adquiri um caderno imenso, de vinte matérias,  bem grosso, bonito, cheio de gueri-gueri e levei para casa. Um ano se passou e eu nunca consegui escrever uma linha sequer neste caderno. Não rola! Continuei no universo dos pedacinhos de papel. É onde cabem minhas dignidade e poesia!
Palavralgia
Existe uma janela em mim.
Ela fica entre a noite e o dia.
Por ela viajo,
Num ir e vir permanente.

Quando a noite chega,
Eu pulo a janela.

Quando a janela
Se fecha para a noite,
Os dias se tornam
Longos, vazios e tristes.

Por isso não me canso
De esperar na janela,
Pois a noite me fertiliza.
São os insondáveis segredos da noite.

Fertilizada, milhões de holofotes
Mentais se acendem e dou à luz
Em plena escuridão noturna.
Mas isso só é possível
Por causa dos mistérios da noite.

Recebo os filhos da noite
Em meus braços
E os alimento no seio da noite,
Nutrindo estes rebentos
Diuturnamente.

Por isso, é preciso que se abra
A janela noturna
Para que nunca faltem noites
Em meus dias.
Palavralgia
Chuva no meu telhado,
O silêncio molhado a me proteger,
Fico quietinha num canto;
Para secar o meu pranto,
Esperar o sol renascer.
Palavralgia
Cada um tem uma verdade, inventada e institucionalizada por si próprio.
Nós construímos, vestimos, comemos, respiramos a verdade. Trabalhamos, dormimos, acordamos e casamos com ela, fazemos ela crescer. Todos os nossos pensamentos, desejos, ações e atitudes estão fortemente embasados na nossa verdade.
Acreditamos firmemente estar a nossa existência seguramente calcada nesta verdade que incorporamos e, investidos de todo o poder que a verdade nos confere, falamos alto, gritamos, esbravejamos, batemos no peito.
Bilhões e bilhões de pessoas constituem a população mundial e, assim como eu construo a minha verdade, cada um edifica a sua.
Afinal, com quem está a verdade?
Acontece que existe um dispositivo especializado em detonar verdades individuais com precisão. Este dispositivo foi caprichosamente denominado de adversidade. A adversidade normalmente se apresenta quando nos deparamos com outras verdades.
Diante da adversidade, o nosso edifício rui e novas verdades se apresentam. Percebemos que já não vestimos aquela verdade, que ela arrumou outro e foi embora, que já fomos despedidos sem despedida etc.
O caleidoscópio gira e observamos, por outra lente, que aquela verdade, aquilo que acreditávamos ser, chocou-se com as verdades com que as outras pessoas se vestem e revestem.
Tem gente que morre achando que é tudo verdade!
Já que teimamos em criar uma verdade, é bom construirmos verdades flexíveis, porque as rígidas demais são as que se partem com maior facilidade e quanto maior o tamanho da nossa verdade, maiores os estragos em seu desmoronamento. É duro ver tudo em que acreditávamos ardentemente cair por terra completamente. Mais duro ainda é, de uma hora para outra, tentar caber numa nova verdade e ter que viver de meias verdades ou, na falta da nossa própria, nos apropriarmos da verdade alheia.
A bem da verdade, temos que admitir que ela é uma só e que ninguém tem seu certificado de propriedade.
Então, o melhor mesmo é assumirmos de vez que, definitivamente, não somos donos da verdade. 
Palavralgia
Comecei uma nova dieta. Este foi o motivo da minha entrada numa loja de departamentos, quando passeava no shopping. Lembrei de que precisava comprar barras de cereais.

De súbito, bem no meio da loja, enquanto procurava as inocentes barrinhas, fui avassaladoramente capturada por um cheiro. Um cheiro marcante que fez meu coração disparar e quase sair pela boca. Parei no meio da loja para ver de onde vinha aquele cheiro de borracha nova que há muito, muito tempo eu não sentia.

De repente, me peguei com o nariz pregado no pneu da bicicleta que estava exposta numa prateleira suspensa. Cena que, aos olhos de quem visse, poderia situar-se na linha que divide o estranho do hilário e eu ali, de olhos bem fechados me esticando toda para encostar as narinas no pneu da bicicleta, enquanto tudo desaparecia à minha volta: prateleiras, barrinhas de cereais, pessoas. Enfim, a loja toda desapareceu para dar lugar a outro cenário.

Surpreendentemente, me vi numa festa de Natal que, na linha do meu tempo, não sei precisar quando exatamente aconteceu, mas eu estava lá e podia ver e tocar a árvore de Natal e os presentes à sua volta, as pessoas, o ambiente, a decoração simples, a mesa com a modesta ceia; podia ouvir o barulho do lugar e sentir aquele cheiro que ficou guardado num cantinho do meu ser e que, quando menos esperava, me deu, com tanta realidade, acesso a tudo aquilo de novo.

Foi um dos mais importantes Natais da minha vida, porque ganhei o objeto de desejo de quase toda criança daquela época: uma bicicleta.

Como é incrível que a memória olfativa possa nos transportar no tempo e no espaço desta forma. Quando vi, eu estava ali, menina fascinada diante da bicicleta nova e aquele cheiro a entrar pelas narinas e a preencher toda a atmosfera.

Ali, descobri que a felicidade para mim tem cheiro, cheiro de bicicleta e também tem outro nome; a felicidade se chama bicicleta, simples assim. Sobre duas rodas, ao comando de pedais e freios, pode nos levar por todos os caminhos para conquista de um mundo inteiro. Um mundo que é só nosso, todinho cuidadosamente construído de momentos como aquele meu Natal e como a experiência com a primeira bicicleta, que nos ensina, desde cedo, a nos esforçarmos ladeira acima e a nos comedirmos ladeira abaixo, para não nos machucarmos, embora isso seja inevitável. E nos ensina, ainda, a soltarmos o freio quando é preciso avançar e a desviarmos dos obstáculos dos caminhos. O bom manuseio de pedais e freios é um grande aprendizado para a vida toda.

Um cheiro, um som, uma música pode nos transportar no tempo e nos fazer encontrar novamente conosco mesmos em outras circunstâncias. Assim, testemunhando as nossas próprias experiências, vemos o quanto aquela situação foi importante para a construção do nosso “eu”, do que somos e das coisas com que realmente nos importamos.

Abri os olhos, a felicidade continuava lá, no mesmo lugar, suspensa na prateleira, exalando o seu inebriante cheiro. À minha volta, pessoas circulavam pelos estreitos corredores da loja, sem se darem conta.

Hoje, a gente a procura tanto em tantas coisas, em tantos lugares, complica e não encontra. Aquele cheiro no meio da loja me transportou, me fez reviver tudo aquilo novamente e ver como é tão simples ser feliz.

Para que barrinhas de cereais e tudo mais se eu estava plena? Não precisava de mais nada. Deixei tudo para trás e voltei para casa. Queria apenas fazer aquele momento perdurar.
Palavralgia
Mexendo e remexendo o lugar para onde normalmente vou quando estou meio assim, me sentindo um peixe fora d'água, adivinha o que encontrei? Uma "pérola" escrita em 2003. Já estou mergulhando de volta.

O peixe fora d’água tem destino certo e cruel.

Estando ele fora do seu habitat natural, onde é provido de todo o necessário à sua sobrevivência segura e saudável, fica fadado a um destino obscuro.

Com certeza, o peixinho não quer ser excluído do ambiente em que pode ter tudo o que precisa para viver feliz com seus semelhantes.

Contudo, fatores, nem sempre desconhecidos, desequilibram esta estabilidade, fazendo com que o peixinho caia numa malha fina e embaraçada, quase impossível de se desprender, sendo arrastado, em meio à grande turbulência, ao doloroso final de sua existência.

Ninguém quer ser um peixe fora d‘água para morrer à margem, à mingua do que lhe é essencial, após turbulento arrastamento através de águas revoltas, preso a intrincadas e indissolúveis malhas.

Esta é uma força contra a qual o peixinho não pode lutar sozinho. Mas sabemos que, se os peixões grandões, fortões e poderosos, que dificilmente caem nas armadilhas da vida oceânica, se dispuserem a ajudar com seus dentões grandões e afiados, num esforço que muito pouco lhes custaria para desfazer os nós das intrincadas malhas desta impiedosa rede, que se vai tecendo através dos tempos, certamente o peixinho pequenino e fraquinho teria muito mais chances de sobrevida.

Mas não é preciso ser peixão fortão para ajudar a livrar os peixinhos dessa situação embaraçada e embaraçosa. Os peixes medianos, que também caem na rede, mas que, se virando daqui e dali, com a ajuda do seu porte um pouco mais avantajado, se debatendo de lá e de cá, acabam por se desprender das malhas, estes também podem ajudar.

Até os peixinhos fraquinhos e pequenininhos, com muito menos chances, recursos e possibilidades, envidam esforços que, muitas vezes, resultam positivos no sentido da preservação da vida.

Agora imaginemos, peixes, peixinhos e peixões imbuídos do instinto de conservação, contribuindo, num esforço conjunto, para o bem-estar coletivo de um oceano pacífico... haveria inúmeras possibilidades para peixes, peixinhos e peixões mergulharem fundo nesta incrível e muito possível aventura de manutenção do equilíbrio, harmonia, serenidade e tranqüilidade do mar que foi feito para todos os peixes.
Palavralgia
Ando meio confusa mesmo. Não raro, me atrapalho com as ideias e com as situações. Mas eu acho que isso acontece muito por falta de entendimento e compreensão diante dos acontecimentos. Parece que estou funcionando fora de rotação.

Isso me faz recordar de que, quando era criança, eu possuía uma rádio-vitrola cor de abóbora, que tinha quatro rotações: 16, 33, 45 e 78 e eu adorava ficar trocando as rotações, enquanto o disco tocava. Era engraçado, o som saía rápido demais ou muito lento, na rotação mais baixa.

Hoje, eu me sinto meio assim: em algumas situações parece que eu estou na rotação 16 enquanto os acontecimentos seguem em rotação 78. Não há meios mesmo de entendimento e eu me confundo toda! Até me esforço bastante para alcançar a rotação 33, que é a que melhor se ajusta a uma razoável compreensão, mas acontece que o planeta está para lá de 78. Decerto, foi acoplado algum tipo de acelerador no movimento em torno de seu eixo, que está fazendo tudo chacoalhar adoidado por aqui. Acho até que, em vez de mudar de rotação, estou trocando é de translação. Para este caso, no entanto, não sei se existe ajuste possível, tipo o das rotações, porque na translação são dois movimentos em questão. Seria algo, mais ou menos, como ficar rodando em torno da sala com a minha vitrola cor de abóbora na mão, enquanto ela toca um disco. Só de pensar fico zonza. É exatamente assim que me sinto muitas vezes, fora de freqüência, fora do eixo, sem ajuste.

Na época em que eu brincava com a vitrola, era engraçado, mas não passava de uma brincadeira. Agora, não. Agora a coisa é à vera, e nada engraçada, apesar de que, muitas vezes, possa parecer. O normal é ser bem para lá de 78, sei lá; 780.000.000, não sei. Só sei que estou confusa, atrapalhada, me esforçando para alcançar uma freqüência que permita algum entendimento, alguma compreensão. Está difícil.

A vitrolinha, que tanto serviu de entretenimento, não mais existe. De tanto mudar de rotação, além de arranhar vários discos, a vitrola começou a apresentar defeitos. Mas mesmo assim, depois de ter seu braço arrancado, ainda foi útil em outras atividades, quando comecei a usar seu prato rotatório para modelar argila. Produzi, assim, uma infinidade de peças para a feira de ciências da escola.

Talvez seja isso: assim como a vitrola, exposta a tantas situações bizarras, coitada, eu também esteja começando a dar defeito. Contudo, tenho receio de, diferentemente da adorável vitrolinha cor de abóbora, não conseguir ser útil e criativa suficientemente para driblar toda essa confusão e, ainda, ter resistência para funcionar de outra maneira.

É possível que, para deixar de ratear, eu precise encontrar uma nova forma de subsistência. Para tanto, porém, necessário se faz que, assim como a vitrola, eu me reinvente ou assuma de vez a sucumbência.

Concluo, no entanto, que estou em desvantagem em relação à vitrolinha, que só perdeu o braço, pois sinto, com esta confusão toda, que eu estou perdendo, se não a cabeça, pelo menos o tino.
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Volto ao som da vitrola fora de rotação. Acho que ela quer me tocar. Preciso da reinvenção. Esta é uma necessidade uterina de renascimento, para tentar o ajuste possível fora dessa logicidade. Nada do que foi inventado até agora funciona direito, por isso o que serve a determinados modelos deve ser remodelado. Talvez seja preciso despir a aparente pureza das coisas e, como a vitrola, manchar de lama o corpo para nele projetar uma nova moldagem: um renascimento impuro para tornar legítima a continuidade, extensão de uma vida refeita onde não se acreditava mais utilidade. É como plantar violetas num violão sem cordas. O instrumento entrega, então, um novo tom, misturado com terra, sujo de lama e ainda assim, necessário.

E as violetas cultivadas pelo violão, que têm elas a ver com a vitrola? Elas também querem me tocar. Comparar violetas à vitrola é como comparar pentes a pombos e descobrir semelhanças em coisas que habitam mundos diferentes. Vistos à pequena distância, os contrastes sempre tendem a apresentar uma crescente similitude. “Passarinhos da mesma plumagem voam juntos”, mas nem sempre é assim, a natureza fornece atestado.

Se alguém imagina que vou discorrer sobre semelhanças entre coisas tão diferentes, já anuncio que não o farei. É preciso haver condições ideais para que seja possível o diálogo entre diferentes e iguais. Não gosto das coisas prontas, talvez por isso esta facilidade para admitir a imperfeição, facilidade esta que foi desenvolvida na ânsia da busca por novos moldes, novos modelos, novos sentidos.

A vitrola de som tosco termina por produzir esculturas de barro. Mas que falta de lógica é essa? Vitrolas não produzem esculturas. E quem disse que violões produzem violetas?

O que servia a um sentido entrega-se a caminhos outros sem ter “a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido”. Eu quero outra verdade. “Não quero a boa razão das coisas”, não quero ter razão; apenas descobrir novos sentidos.


Palavralgia
Encontro-me em pleno processo arqueológico de auto-escavação. Talvez seja possível alguma descoberta.
Palavralgia
É no ínfimo que se descobre o que é realmente grandioso.
Palavralgia





Palavralgia
Ultimamente, tenho aprendido muito sobre a importância do desimportante.
Palavralgia
Depois não me interessa.

Busco o que vem antes,
O incompleto, o inacabado,
O que pode ser alterado.

Busco o que vem antes,
Pela incompletude e
Pelo infinito universo de possibilidades.

Busco o que me antecede,
O que me prepara
E faz de mim um ser
Em permanente reconstrução.

Busco o que me abre as portas
A uma possível compreensão.
Palavralgia

Venho, ao longo da minha existência, empregando todas as forças em improfícuas tentativas de arrancar de mim mesma esta dor aguda e profunda, que se funde ao meu ser.

Após longas, persistentes e mal sucedidas investidas, finalmente atingi a compreensão de que não posso extinguir a dor em mim, porque, sem ela, eu simplesmente não existo, pois sou o que em mim mesma dói.

Tentava exterminar em mim o que me faz viver, buscando em remédios ineficazes a cura para o meu “mal”. Mas, como disse Clarice: “não adianta passar perfume em baixo da asa de uma galinha, porque a galinha não pode ser curada de ser galinha e o Homem não pode ser curado de ser Homem”.

Os anos, no entanto, contrariando toda essa minha pueril percepção, aconselham a deixar os paliativos de lado e cativar a dor com cuidados especiais, como quem cultiva flores que precisam desabrochar para enfeitar e perfumar o jardim.
Palavralgia
Sinto-me, desde há muito, profundamente comprometida com a literatura. Mas, ao mesmo tempo, ganho asas neste campo; sinto-me completamente livre, independentemente de qualquer olhar.
Palavralgia

Sinto certo desconforto em ser...

Ter consciência de que o nada não existe, por um lado, reforça ainda mais a delicada questão do não ser, ao mesmo tempo em que lança luz sobre a realidade do ser. Então, o que posso dizer de concreto mesmo sobre a consciência da inexistência do nada, é que ela é de natureza ambígua.

Vivo num mundo que não me pertence e ao qual eu também não pertenço, talvez por isso esta sensação de inexistência. Apenas preencho meus dias com os “nadas” do mundo.
Não ser é ser alguma coisa. Transitando pela ambiguidade, acabo registrando esta existência do não ser. Se bem que esta questão de ser ou não ser é bem antiga e isso de certa forma é um consolo.
É que, em mim, como em cada um, estas questões parecem ser mais profundas. No meu caso, em função das longas margens dos “nadas” em que me afogo. Não aprendi a “nadar”, nem a “tudar”. Não, não aprendi. Porque, inclusive, estes verbos também não existem, como tudo. Eu os invento numa tentativa de me expressar, garantindo, assim, uma possível subsistência neste mundo em que não se dá valor à palavra.

Sim, não aprendi a “nadar”. Estou tendo que aprender por força das correntezas, que me arrastam. Também não aprendi a “tudar”. Se assim não fosse, talvez não estivesse aqui expressando o nada através do qual sou arrastada.
Aprendi muitas coisas, que estão entre tudo e nada. Todas elas carrego comigo, enquanto sou obrigada a aprender a “nadar”. Eu tenho tudo nas mãos, mas de nada me servem todas estas coisas. Talvez elas me valham numa tentativa de salvamento, o qual ainda, nem de longe, vislumbro a possibilidade de acontecer. E o nada, como não é difícil de imaginar, também não oferece qualquer tipo de auxílio. O nada é apenas nada, o que já é alguma coisa... e eu, este ser híbrido, transitando livremente entre tudo e nada, ser e não ser... num ciclo que ainda não consigo quebrar, por isso a irresistível força da correnteza.
Aqui é tudo ou nada. Mas acaba que as duas coisas se confundem. O que é concreto demais enrijece a essência, que se torna inflexível, bruta e o que é essencial evapora-se entre margens longínquas, sinuosas e sem horizontes.
É por isso, que reluto em admitir, nestes profundos “nadas” sem beiradas por que me arrasto, que de nada, nada mesmo, neste mundo me servem todas as coisas que conquistei entre tudo e nada.

(escrito em 31/07/2011)
Palavralgia
Remexendo, ainda, a minha arca do tesouro, deparei-me com esta relíquia de 1998, que compartilho com vocês.

O mundo é uma grande poesia escrita pelo maior poeta de todos e a beleza de seus Cantos pode ser contemplada a todo momento pelos habitantes desse imenso poema.

Eu, que sou personagem, contemplo o que considero o melhor de todos: o Universo, cheio de mistérios indecifráveis, mesmo pelos mais respeitáveis críticos. Este Canto não é verso único, é multifacetado porque encerra em si a essência da poesia, obra que só poderia mesmo ter sido criada por inspiração divina.

Os outros Cantos, cada um se supera em riqueza de imagens e beleza de versos. O mar, o sol, a lua, o céu, as florestas, desertos, montanhas e tantos outros, cada um, um Canto do imenso poema, e todos encantam o desencanto e são cantados em tantos outros cantos e contos.

Eu sou personagem, mas também poeta, tentando cantar o mundo à minha maneira. Essa fusão de imaginário e real compõe o infinito e a poesia.

Cada estrela é um verso do Canto do universo e também do Canto do mar, mas do Canto do sol é verso único que ilumina o Canto que mais me encanta e que em mim eclode fazendo nascer esta ode que para você eu canto.

(escrito em 25/12/1998)
Palavralgia
Ainda bem que no último post utilizei o verbo pretender. Sim, apenas uma pretensão e, infelizmente, não uma realização. Isso se deve ao extraordinário sucesso, o que me instiga, ainda mais, a querer assistir ao musical, ao qual não pude comparecer na última 6ª feira, como pretendido e avisado aqui no Blog. Não havia mais ingresso para este final de semana, vamos ver se consigo para o próximo. Por este motivo, ainda não será possível compartilhar as minhas impressões sobre o espetáculo.
Palavralgia
Já tenho programa cultural para esta semana. Que delícia! Na  próxima 6ª feira, dia 12/08, pretendo assistir ao Musical Tim Maia – Vale Tudo, que está em cartaz lá no Teatro Carlos Gomes. O musical foi baseado no livro do Nelson Mota, de mesmo nome, que é um tremendo sucesso. Eu amei, por isso não quero deixar de ver o show. Depois posto aqui as minhas impressões sobre o espetáculo.

Na minha agenda, já está programado, também, para assistir a 2 debates que selecionei no Café Literário, da XV Bienal do Livro, que vai de 1º a 11 de setembro, no Rio Centro: o primeiro vai acontecer às 20 h do dia 03/09, Sarau Poético, com Ferreira Gullar, Antonio Cícero, Viviane Mosé e Susana Vargas mediando e o segundo, às 20 h do dia 11/09, Sarau Poético – Homenagem a Manoel de Barros, que é um autor que eu amo de paixão, tenho vários livros dele. Os participantes serão: o ator e poeta Antonio Calloni, a poeta Elisa Lucinda e Ramon Mello mediando. Quero muito ver isso!

Ontem comprei o livro Solar da Fossa, do jornalista Toninho Vaz. Já comecei a ler e estou amando. O livro conta a história de uma pensão, com 85 apartamentos, que serviu de incubadora de talentos, conforme diz o autor: “nenhum outro endereço no Rio, em qualquer época concentrou tanta gente que, um dia, atuaria de forma tão decisiva na cultura.” Pelo Solar, que situava-se onde, atualmente, localiza-se o Shopping Center Rio Sul, passaram, entre os anos de 1964 e 1971, quando foi demolido, personalidades como, Caetano Veloso, Gal Costa, Paulo Coelho, Paulinho da Viola, Paulo Liminski, Tim Maia, Maria Gladys, Bety Faria, Ítala Nandi, Antônio Pitanga, Zé Ketti entre outros. “O Solar foi o endereço e abrigo de poetas, compositores, jornalistas, artistas plásticos – loucos, cabeludos e ‘desbundados’ que vinham de todos os cantos do país e encontravam ali o jardim ideal para plantar suas ‘folhas de sonho’ e materializar verdadeiras obras de arte.”
Palavralgia
Abaixo, fragmento da relíquia escrita lá por meados dos anos 70. Continuo procurando, nas minhas memórias, o complemento deste poema que reflete a preocupação e a inocência da menina de 11/12 anos.

Se um dia se perder,
Nesta escuridão,
Procure à sua volta,
Ainda existe irmão.
Se não encontrar,
Quem lhe estenda a mão
É só procurar,
Que um dia você vai achar...

Encare sempre a realidade de frente
Não dê essa guerra perdida
por uma batalha vencida...


Palavralgia
Cada um tem uma verdade, inventada e institucionalizada por si próprio.
Nós construímos, vestimos, comemos, respiramos a verdade. Trabalhamos, dormimos, acordamos e casamos com ela, fazemos ela crescer. Todos os nossos pensamentos, desejos, ações e atitudes estão fortemente embasados na nossa verdade.
Acreditamos firmemente estar a nossa existência seguramente calcada nesta verdade que incorporamos e, investidos de todo o poder que a verdade nos confere, falamos alto, gritamos, esbravejamos, batemos no peito.
Bilhões e bilhões de pessoas constituem a população mundial e, assim como eu construo a minha verdade, cada um edifica a sua.
Afinal, com quem está a verdade?
Acontece que existe um dispositivo especializado em detonar verdades individuais com precisão. Este dispositivo foi caprichosamente denominado de adversidade. A adversidade normalmente se apresenta quando nos deparamos com outras verdades.
Diante da adversidade, o nosso edifício rui e novas verdades se apresentam. Percebemos que já não vestimos aquela verdade, que ela arrumou outro e foi embora, que já fomos despedidos sem despedida etc.
O caleidoscópio gira e observamos, por outra lente, que aquela verdade, aquilo que acreditávamos ser, chocou-se com as verdades com que as outras pessoas se vestem e revestem.
Tem gente que morre achando que é tudo verdade!
Já que teimamos em criar uma verdade, é bom construirmos verdades flexíveis, porque as rígidas demais são as que se partem com maior facilidade e quanto maior o tamanho da nossa verdade, maiores os estragos em seu desmoronamento. É duro ver tudo em que acreditávamos ardentemente cair por terra completamente. Mais duro ainda é, de uma hora para outra, tentar caber numa nova verdade e ter que viver de meias verdades ou, na falta da nossa própria, nos apropriarmos da verdade alheia.
A bem da verdade, temos que admitir que ela é uma só e que ninguém tem seu certificado de propriedade.
Então, o melhor mesmo é assumirmos de vez que, definitivamente, não somos donos da verdade.
Palavralgia
Preciso de um móvel,
Que eu possa colocar
Nos incômodos da minha casa íntima.
Um móvel bem grande,
Que me mova e
Em que caibam
Toda minha comodidade e
Toda minha imobilidade.
Palavralgia
Sou a maestrina de mil vozes
Que ecoam dentro de mim.
Umas sussurram baixinho,
Outras gritam histéricas feito loucas,
Algumas reclamam o tempo todo,
Muitas são insistentes,
Algumas outras simplesmante se calam,
Mas estas últimas, dissimuladas,
Ficam enviando renitentes mensagens mudas.
A todas ouço,
Mas a nem todas dou ouvidos.
Somente a algumas obedeço,
Ou elas me vencem pela insistência
Ou pelo cansaço.
São elas que me incentivam,
Mais do que qualquer outra coisa,
A realizar meus intentos,
A aplacar meus tormentos
E a ter menos comedimento.

Por isso, deixo que as vozes falem
E falem bem mais alto que a sensatez.

São elas que me fazem assim.
Meio inquieta.
Meio confusa, meio louca, meio poeta.
Essa sou eu,
Inteirinha, toda incompleta.

(Para ouvir a declamação deste poema, click na imagem das flores à direita)
Palavralgia
As horas são soldados impiedosos que exterminam o tempo incessantemente.
Loucas, elas o perseguem e devoram friamente, num movimento mecânico, quase imperceptível, mas perverso, contínuo, perene.
Palavralgia
A Flip 2011 homenageia o escritor modernista Oswald de Andrade, protagonista da Semana de Arte Moderna, também chamada de Semana de 22, que ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922.

Cada dia da semana foi dedicado a um tema: pintura, escultura, poesia, literatura e música.

Embora tenha sido alvo de muitas críticas, a Semana de Arte Moderna só foi adquirir sua real importância ao inserir suas idéias ao longo do tempo. O movimento modernista continuou a expandir-se por divulgações através da Revista Antropofágica e da Revista Klaxon, e também pelos seguintes movimentos: Movimento Pau-Brasil, Grupo da Anta, Verde-Amarelismo e pelo Movimento Antropofágico.

Participaram da Semana nomes consagrados do modernismo brasileiro, como Mário de Andrade, Oswald Andrade, Victor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Mnotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti entre outros, e como um dos organizadores o intelectual Rubens Borda de Moraes que, entretanto, por estar doente, dela não participou.
Palavralgia
Existe uma janela em mim.
Ela fica entre a noite e o dia.
Por ela viajo,
Num ir e vir permanente.

Quando a noite chega,
Eu pulo a janela.

Quando a janela
Se fecha para a noite,
Os dias se tornam
Longos, vazios e tristes.

Por isso não me canso
De esperar na janela,
Pois a noite me fertiliza.
São os insondáveis segredos da noite.

Fertilizada, milhões de holofotes
Mentais se acendem e dou à luz
Em plena escuridão noturna.
Mas isso só é possível
Por causa dos mistérios da noite.

Recebo os filhos da noite
Em meus braços
E os alimento no seio da noite,
Garantindo a estes rebentos
Produtiva existência por toda eternidade.

É preciso que se abra
A janela noturna
Para que nunca faltem noites
Em meus dias.
Palavralgia
Vastos são os campos de batalha e os inimigos se multiplicam em nós. São milhares de feras, seres monstruosos e selvagens. Todos muito mais fortes e poderosos e todos espectros de nós mesmos.
Palavralgia
A minha casa caiu, desmoronou por inteiro. Não foi tempestade, nem vendaval, caiu por abalo nas estruturas antigas. Eu caminho pelos escombros buscando alguma coisa de valor, mas nada aqui parece passível de salvação.
Palavralgia
Eu tenho um teto,
Mas às vezes perco o chão.
Embora muitas portas se abram,
As paredes têm ouvidos e,
A alma, janelas e telhado de vidro.

Eu tenho um quarto,
Mas eu quero ser inteira.
Palavralgia
Aqui é o espaço de me expor,
Me desmancho toda em palavras
sem jamais querer me recompor.
Palavralgia
Reedito o texto O Que Você Vai Ser Quando Crescer? que acabou de ser premiado na categoria Crônicas, da publicação Prêmio Literacidade 2011.

Quando eu tinha dez anos, adorava brincar de bonecas. Naquela época não existia a Barbie e eu tinha a Susi Faz-Pose; uma loura e outra morena. Tinha também uma bonequinha menor, chamada Valentina. Passava as tardes, após a escola, costurando roupas novas para as bonecas. Até pensei que eu poderia ser costureira quando crescesse, de tantas roupinhas que eu confeccionava para elas.
Palavralgia
Eu amo Pessoa!
Eu amo pessoas.
Por isso, descubro-me um
produto resultante de
todas as poesias que li,
das pessoas que conheci e
das experiências que vivi.
Um jeito, um trejeito,
uma cara, uma palavra,
eu me reinvento a cada dia.
E para superar as ironias...
eu finjo, como se fosse poeta,
um pouquinho de Pessoa,
um pinguinho de gente
derramado sobre o vasto tapete que
se estende mundo afora,
com tudo o que há de dor,
com tudo o que há de amor,
com seja lá o que for. (escrito em 26/05/2009)

Fotos tiradas, em 22/05/2011, na exposição Plural Como o Universo, no Centro Cultural dos Correios - Rio de Janeiro 

Palavralgia
"Tem mais presença em mim o que me falta"                                                                 Manoel de Barros
Palavralgia
Em meados do ano passado, tive uma tarde/noite maravilhosa na companhia da, não menos maravilhosa, amiga de anos e anos, Angela. Fomos assistir, no Teatro Sesi do Centro da Cidade, à Beth Goulart interpretando  “Simplesmente eu, Clarice Lispector”. Um show.  Além da semelhança física da atriz com a escritora, a interpretação dos textos densos e reflexivos de Clarice impressionaram bastante. O figurino, um deslumbre. Tudo muito lindo e bastante conteúdo para refletir.
O Teatro localiza-se na Rua Graça Aranha. Deixamos o carro no Edifício Menezes Cortes, que fica no outro extremo desta mesma rua. Há tempos eu não ia ao Centro, onde trabalhei  durante muitos anos. Mas isso já faz muito tempo. Naquela época, eu costumava transitar, frequentemente, por aquelas ruas.
Na noite do teatro com a minha amiga Angela, caminhamos todo o percurso da rua Graça Aranha, do Edifício Garagem até o Teatro Sesi, uns três ou quatro quarteirões a pé. Ao pararmos numa das esquinas, aguardando o sinal para atravessar, “bateu” certa saudade dos longínquos tempos em que eu costumava andar por ali; e, enquanto o sinal não abria, sem que minha amiga suspeitasse, eu pensava: “quantas e quantas vezes eu já não estive neste mesmo local em outras ocasiões. Nada mudou muito por aqui.”
A noite foi muito agradável: colocamos o papo em dia, tomamos café, assistimos à maravilhosa peça, comentamos nossas impressões sobre o espetáculo, falamos sobre Clarice, suas roupas deslumbrantes e tudo mais. Cheguei a casa com a alma leve, mas aquele pensamento que cruzou a minha mente na esquina não me abandonou e eu acabei escrevendo naquela noite do final do mês de maio de 2010 a crônica Esquina, que somente agora publico. Confira abaixo.
Palavralgia
Há muito tempo eu não passo por esta esquina.

Enquanto aguardo para atravessar, lembro quantas vezes por aqui passei em outras épocas remotas, de tantas outras histórias. Agora a história é outra, diferente daqueles tempos em que andava por estas esquinas. Hoje sou outra pessoa, com questões e direções diferentes.

É estranho ser outra pessoa no mesmo lugar. Dá uma sensação de tentativa de reconhecimento do que parece nunca ter existido, apesar de tudo estar aqui, na minha frente, exatamente como sempre foi. Hoje, tenho outro olhar, mas apesar disso, a esquina me parece a mesma, igualzinha àquela pela qual eu caminhava em outros tempos. Agora também os tempos são outros e serão outros ainda daqui a um tempo. Mas a esquina será sempre a mesma com a marca dos meus pés de ontem e de hoje e talvez com a marca dos meus pés de amanhã, e também com as marcas de tantos outros pés.

Tantas vezes esta esquina cruzou os meus caminhos em outras ocasiões. Tem um pouco de mim aqui, um pouco da minha presença, do meu pensamento, um pouco do que eu deixei de ser. Enquanto estou aqui parada nesta esquina, transporto-me e encontro-me com o que já não sou. Tento fazer algumas perguntas, mas as respostas que dou a mim mesma parecem ininteligíveis. É uma tentativa de conversa entre dois mundos que subsistem no mesmo lugar, na mesma esquina.

O sinal já abriu e fechou várias vezes e eu continuo aqui esperando as respostas que eu não consigo dar a mim mesma e procurando fazer descobertas sobre o que um dia fui. Persisto nas perguntas, mas os mundos subsistentes têm características e linguagens peculiares a cada um. Por isso tanta estranheza diante do que deixei de ser e tanta ansiedade pelas respostas que não consigo obter.

É imensurável a distância existente entre dois pontos que se localizam exatamente no mesmo lugar. Lugar este que testemunha impassível a tentativa de diálogo entre dois seres de mundos diversos.

Parece-me egoísta querer que a esquina se mostre diferente diante da minha tentativa de diálogo com o que já não existe. Há tantas outras marcas aqui, além das minhas. Há tantas outras vozes, as quais, possivelmente, causem ruído na minha tentativa de diálogo. Há tantas outras pessoas à minha volta agora, todas elas diferentes das que me cercavam nesta mesma esquina em outros tempos. É possível que elas, como eu, esbarrem em suas próprias presenças e nem percebam, porque seguem em frente indiferentes aproveitando o sinal aberto. Mas eu não. Eu estou aqui momentaneamente parada, diante do sinal aberto, diante do sinal fechado, esbarrando no que, há muito, deixou de existir e tentando fazer alguma descoberta sobre mim mesma.
Palavralgia
Poema selecionado para integrar a publicação 100 POEMAS, 100 POETAS, da Editora LiteraCidade. A publicação estará disponível em agosto de 2011.

Apraz-me abrir frentes
para meus versos
porque é neles que está
guardado tudo que há
de mais essencial em mim.

Pela frente,
Tudo que há
É paisagem.
É do outro lado
Que se encontram
O reverso, o controverso
E tudo o que há no verso.
Palavralgia

Mudei! Mas, pelo menos em essência, acho que continuo sendo eu mesma e, neste caso, não sei se dá para dizer “ainda bem”, pois acredito que a mudança também da essência, muitas vezes, pode ser essencial.

Toda mudança pressupõe o caos, processo pelo qual acabei de passar, não ilesa, é claro, porque o caos nunca passa incólume por coisa ou pessoa alguma, sempre deixa tudo de pernas para o ar. Em qualquer situação, estressa, cansa, deixa marcas, seja na alma ou no corpo. No meu caso, hematomas pelo carregamento de caixas e gavetas pesadas, além de alguns tombinhos da escada doméstica, por subir nela com a tralha toda na mão. Não dá para o caos passar por nós sem nos envolver parcial ou completamente.

Por falar em tralha, como a gente junta coisa que não serve!  Acho que aqui já podemos começar a encontrar alguns pontos positivos no meio do caos. Ele nos mostra o quanto nos cercamos, envolvemos e ocupamos com coisas sem a menor importância, ou seja, ele aponta direta e imediatamente para o que realmente é importante para nós, seja material, espiritual ou afetivo. Agora já começo a achar o caos necessário e até imprescindível.

Quanta coisa sem a menor utilidade me vi obrigada a descartar para não ter que levar “peso morto” para a nova moradia. Coisas empoeiradas, antigas, sem a menor serventia, mas que conservamos por pura conveniência. O caos é inconveniente, nos tira da zona de conforto, faz a maior “zona” em torno de nós e nos obriga, por razões diversas, a mudar de verdade.

O mundo é a nossa moradia, o caos nos cerca por toda parte impelindo-nos à mudança, muitas vezes, traumáticas, dolorosas, mas indispensáveis, porque é preciso mudar. Sempre implacável, caótico mesmo, o caos faz com que o evitemos, tentemos amenizá-lo, fujamos dele, mas ele sempre nos atinge de alguma forma. E, por mais incrível que isso possa parecer, ele sempre traz o seu lado positivo.

Depois de me desvencilhar de pilhas e pilhas de coisas que não serviam para mais nada e ainda ocupavam muito espaço na minha vida, comecei o serviço de embalagem dos pertences. Tarefa exaustiva, apesar da colaboração de valorosas ajudantes.

Nada ficou no lugar, tudo foi desacomodado, remexido, bagunçado, e algumas coisas quebradas, perdidas. Tem coisa que até agora não consegui encontrar, objetos estimados, de valor, não material, é claro, mas afetivo, que acho que foram absorvidos pelo caos e jamais me serão devolvidos. O caos nunca passa sem ocasionar perdas.

Machuquei-me. Além dos hematomas, me cortei com um caco de copo quebrado, fiquei nervosa, dei “piti”, me desequilibrei. Na tentativa de começar a colocar tudo no lugar, muitas coisas desabaram sobre mim.

Já na nova residência, curiosamente, descobri que eu havia trazido ainda muita quinquilharia. Nova empreitada de seleção e descarte de tudo que não cabe mais no meu novo mundo.

Agora tudo já começa a entrar no lugar, embora não tenha encontrado uma relíquia que guardava com muito zelo. Não adianta nada ser zeloso no meio do caos. Trata-se de um livro, Bola de Gude, de Leir Moraes, cuja leitura me foi passada como trabalho escolar em remotíssimos tempos, a qual me impressionou de tal maneira que o conservei até então. De alguma forma, o livro também fala de mudança, transformação e perdas. Coincidência ou não, ele está perdido e eu fiquei muito triste por isso.

As coisas já estão mais organizadas. O trapo agora aqui sou eu, que tive que tomar a frente de tudo na mudança. É claro que este fato não me passa despercebido. Sou eu que tenho que passar por isso, é minha responsabilidade. Contudo, apesar de estar me sentindo um trapo, como disse, sobrevivi para reorganizar a minha casa. Quantos não sobrevivem ao caos! Sou um trapo renovado, cheio de remendos, e também de energias novas, apesar do cansaço. Novos ares, nova atmosfera, novo ambiente, novas pessoas, jovens ou mais idosas, com as quais certamente aprenderei muitas coisas.  A palavra é essa: renovação, nova ação, nova atitude. Tudo isto está implícito, ou melhor, explícito, no processo de mudança e transformação. Esse é o lado positivo de que falava anteriormente.

Mudei. Mudei tudo de lugar, mudei de local, de residência, de ambiente. A sensação é um pouco de estranhamento no início. Meu mundo está diferente e isto me faz pensar em todas estas coisas que estão acontecendo e provocando profundas mudanças no Mundo, que é meu também. Agora é a fase de adaptação, aliás esta é uma das características mais louváveis do Ser Humano: a capacidade de se readaptar. 

Em essência, acabo por concluir, mudei também, porque nada se modifica externamente sem promover modificações no mundo íntimo. E o contrário também é verdadeiro. No fim das contas, é o nosso mundo interior que também precisa estar em constante processo de reforma, até para que a crise possa ser encarada como um sistema natural de renovação pelo qual todos nós devemos passar. Da próxima vez, a bagagem estará bem maior sob este aspecto e muito, mas muito menor no sentido literal de “bagagem”.

Próxima vez??? Tem uma coisa que me esqueci de mencionar a respeito do caos: de surpresa ou não, ele sempre retorna às nossas vidas, não uma ou duas, mas várias vezes, por isso é preciso se preparar e encarar.

O saldo final, em qualquer experiência, será sempre o aprendizado.