Palavralgia
Escolhi o vocábulo
Melancolia para dissecar.
Cortei um primeiro pedaço e
Encontrei mel,
Prossegui o intento e
Descobri lia, pretérito imperfeito
Do verbo ler e
Come, de comer.
Continuei retalhando e
Misturando os pedaços,
Achei alia, de aliar;
Mela, de melar;
Cola, de colar;
Ame, de amar
E também ela, eco, ema, lema.
Neste processo, avistei além.
Vendo além, compreendi
Que um corte na melancolia
Pode desvelar muitas possibilidades.
Prosseguindo o exercício,
Decerto seja possível
Encontrar ainda muitas novidades.
Palavralgia
Nunca serei grande,
Bem sei.
Tão pouco pequena em demasia.
Serei sempre,
Isso sim,
Do tamanho exato
Para caber em mim.
Palavralgia
Neste processo arqueológico de autoescavação em que me encontro, tenho feito muitas descobertas importantes. Estar aqui no meio da arena é também para me despir de toda bondade. Assim, ando sob o sol, o suor me lava a alma.

Tudo vai clareando e, de repente, é como se estivéssemos diante de uma pintura, de um quadro que vamos pintando com as tintas do pensamento. Coisas simples, mas marcantes, saem das gavetinhas da nossa mente, em que estão devidamente acondicionadas, para nos assaltar e nos trazer lembranças, pedacinhos da matéria de que a vida é feita.

Vivo de delícias escaldantes, destas que o destino vai tecendo para que as coisas aconteçam exatamente da maneira que tem de ser. É para que haja encontros, mesmo que esteja tudo desencontrado.

O que ainda há de ser descoberto pelos mares por que navego? O mar está de ressaca.

Eu tenho muitas lembranças e os insetos sempre fizeram parte da minha vida. Vou morar muito tempo entre os tecidos que faço, fiando a vida com muitos braços.

De longe, tudo parece igual.

Minha avó não matava as aranhas. Estas se valiam do fato de que ela enxergava pouco e, espertas, fugiam rapidamente com o auxílio que a natureza aracnídea lhes dotara de ter muitas pernas. Depois voltavam para fiar sua vida novamente.

Quando crescer, quero ser igual as aranhas e fazer várias façanhas com muitos braços a trabalhar. Esta é uma felicidade rasa, que chega até os calcanhares.

Foi assim que empreguei meus braços numa fábrica de fantasias. O azul sempre me conduz pelas estradas da vida. Os degraus da calçada permitem que a rua me alcance e me leve, leve por entre as cores e dores dos caminhos.

Por que não caminhar?

Os caminhos também se encontram, como as águas. Quero que os caminhos me levem com meus braços de aranha a fabricar fantasias. Fantasias finas, leves, esvoaçantes, com as quais eu possa envolver quem quer que caia em minha teia de aracnídea que sai das entranhas da escavação. E foge das águas que podem lavar os sonhos, as fantasias e os caminhos, nestes tem que ter pó. Poeira de lembranças esquecidas. Fuligem no ar.

Tudo vai nublando e, de repente, é como se estivéssemos diante de um quadro empoeirado, sem cor, sem fantasia, envelhecido, onde a aranha consegue fiar sua vida com muito sossego.

Eu tenho muitas lembranças. Hoje estive chorando. Esta água não deu para lavar toda a fuligem do ar. O mar virou sertão. A fábrica me mandou embora.

Os caminhos também se desencontram, como as águas.

As aranhas precisam ter cuidado com quem usa óculos e eu preciso me despir de toda maldade.

De perto, tudo é bem diferente.

Para que a rua possa me trazer de volta em segurança, preciso alcançar os degraus da calçada.

Quando crescer, quero ser igual as aranhas, com muitos braços e muitas pernas que se confundem, para montar a minha própria fábrica de fantasias.