Escrevo, não por profissão, infelizmente, pois muito mais infelizmente ainda, vivemos num país de iletrados e analfabetos. Viver da escrita é privilégio para poucos, muito poucos mesmo, considerando-se as dimensões continentais do nosso país. Explico, no entanto, por que escrevo.
 
Ainda muito jovem, manifestava-se em mim inclinação para a escrita. Aos 11 anos escrevi uma história com o título Castiçais de Bronze. Recortei fotos de revistas, colei-as em folhas em branco e, seguindo o que as imagens sugeriam, inventei uma história com várias páginas. Lamento muito que esta relíquia tenha se perdido.

Esta é a mais remota lembrança que tenho dos meus primeiros passos pela aventura da escrita. Talvez esta experiência tenha influenciado a escolha da carreira que decidi seguir mais tarde, quando prestei vestibular para fazer o curso de Letras.

Por volta dos vinte e poucos anos, aflorou-se em mim a vontade de escrever poemas. Era uma forma de expressar meus sentimentos, minhas angústias, meus desejos, tudo aquilo que fazia parte das minhas reflexões mais íntimas e que eu não queria falar para ninguém. Eu me sentia muito bem quando via aquele sentimento, aflição, anseio ou o que quer que fosse, no papel. Funcionava como um desabafo, como uma terapia. Foi essa idéia que deu origem ao poema Divã, que apresento abaixo:

Sou um ser cheio de questionamentos
E contrários direcionamentos.
Por isso me derramo sobre a folha em branco,
Como quem se esparrama no divã.
Aqui é o espaço de me expor,
Me desmancho toda em palavras
sem jamais querer me recompor.

Como disse no início, a prosa introduziu-me no mundo das letras propriamente dito, mas foi com a poesia que tomei gosto pela escrita.

Durante alguns anos, escrevi vários poemas, alguns infelizmente se perderam porque não havia computador e eu os escrevia em cadernos. Talvez eu não tenha dado o devido valor àqueles escritos. Apenas escrevia quando dava vontade e deixava de lado, não tinha a preocupação de datar, catalogar, guardar de forma apropriada.

Um dia, remexendo no fundo das gavetas, deparei-me com vários poemas antigos. Reli todos, admirada com o tamanho da produção, que nem eu mesma havia me dado conta da proporção, e resolvi dar mais atenção a todo aquele conteúdo. Selecionei, organizei, digitei e percebi que tinha um livro de poesia pronto, que mantenho guardado, para um dia (quem sabe?), publicá-lo.

Apesar de, como relatei anteriormente, ter me aventurado pelo mundo das letras através da prosa, me acostumei a escrever poesias e achava que jamais conseguiria “prosar” de forma mais amadurecida. Contudo, no final dos anos 90, comecei a escrever, timidamente, algumas crônicas. Abaixo, apresento um pequeno trecho de Metamorfose, uma das primeiras crônicas que escrevi no ano de 1998.

...A vontade de ser transforma, podendo transmutar a própria natureza. Sua condição ostra chocava-se com sua alma borboleta. A forma pesada, fechada e cinzenta estava em conflito com sua essência leve, livre e colorida. O que antes era pesado, fechado e rígido passa a ser leve, aberto e flexível e a ostra inerte transforma-se magicamente numa borboleta leve, ágil e multicor. Como a vida é engraçada! As conchas, que antes a aprisionavam, foram justamente os instrumentos que a conduziram à liberdade, transformando o que era reprimido e feio em ostentação de beleza e livre-arbítrio...

Mesmo assim, achava a prosa difícil, mas continuei escrevendo crônicas meio acanhadinhas e nunca abandonei os poemas. Penso que escrever tem suas fases, assim como existem as fases na pintura, porque tem época que só escrevo poemas e em outras, só crônicas. Contos, nunca imaginei ser capaz de escrever, porque considerava muito difícil a construção consistente dos personagens pela trajetória narrativa. Mas não é que escrevi o meu primeiro conto intitulado A Mangueira? Foi aí que me animei e, em seguida, escrevi O Bonde de Herculano. Depois escrevi contos menores e, de acordo com meu apuradíssimo senso crítico, menos importantes.

Escrever romance, ainda não me atrevi. Contudo, não posso dizer que “dessa água não beberei” por tudo que relatei anteriormente. Tem coisas que a gente acha que nunca vai fazer na vida e se surpreende fazendo em algum outro momento.

Outro fator que observo neste processo de criação é a escrita em série, ou seja, fragmentos de uma mesma temática vão se apresentando de forma homeopática, se assim posso dizer. Escrevi duas crônicas cujo assunto gira em torno de uma vitrola cor de abóbora e em uma terceira eu a menciono. Esta última está divulgada aqui no Blog, na página de crônicas sob o título A Arca. Isso acontece involuntariamente. Normalmente, ao reler o texto que acabei de escrever, me inspiro sobre o mesmo tema e acabo abordando outros aspectos daquela mesma temática. As crônicas Fora de Rotação e Vitrola considero como uma seqüência, apesar da diferente abordagem. Pode ser que ainda venham outros textos desta série, nunca se sabe...

Faço coro com Clarisse Lispector quando ela diz que não se enquadra em gêneros, apenas escreve sem essa preocupação. É lógico que não há termos de comparação entre euzinha e Clarisse, mas também escrevo um sentimento, sem preocupação se vai ser um poema, uma crônica, um conto ou simplesmente um texto qualquer que não possa ser classificado em gênero algum.

Se eu fosse me definir hoje como escritora, acho que eu poderia dizer que sou mais cronista do que qualquer outra coisa, embora a poeta tenha muita força e se manifeste, de forma contundente, como percebo nitidamente, em todos os gêneros em que ousei me aventurar.

Abaixo, exemplifico o que acabei de dizer com um fragmento muito poético da crônica Universo, escrita em 1998.

...Eu sou personagem, mas também poeta, tentando cantar o mundo à minha maneira. Essa fusão de imaginário e real compõe o infinito e a poesia.

Cada estrela é um verso do Canto do universo e também do Canto do mar, mas do Canto do sol é verso único que ilumina o Canto que mais me encanta e que em mim eclode fazendo nascer esta ode que para você eu canto.
| | edit post