Palavralgia
Eu perdi a virgindade com um Chupa-cabra, sabe-se lá o que é isso? Sim, isso mesmo, fui completamente consumida por um ato de sucção que, na minha santa e pura ingenuidade, não imaginava existir! "Cabra, eu?", sim e chupada até os ossinhos!

Foi assim que perdi a virgindade! Eu era ingênua e pura em matéria de fraudes, mas fui vítima de um golpe com cartão de débito clonado. Chupa-cabra é o nome do aparelho que os criminosos acoplam à maquininha do cartão para copiar a sua senha. A cabritinha aqui foi lesada e teve sua conta bancária sorvida por um chupão que deixou não apenas uma marca, mas um rombo enorme difícil de esquecer!

Até aí foi só um chupão! Tudo bem, um chupão super traumático, mas, ainda assim, apenas um chupão! A virgindade mesmo só ficou comprometida na delegacia, pois a santa ingênua aqui considerou que, com o devido registro da ocorrência, haveria uma investigação específica e aprofundada para a descoberta do ou dos meliantes chupa-cabras, o quê, lógico, não aconteceu, pois milhares de cabritinhas e cabritinhos descuidados como eu são chupados a cada minuto, em cada esquina! Quem se importa?! Virou banalidade.

Desvirginada, entendi como as coisas funcionam. Foi preciso todo um processo, para o alcance da compreensão. "Mas é assim que funciona?!" É assim que as coisas funcionam e eu não sabia. Santa ingenuidade!!!

A clonagem é um assunto antigo e polêmico desde a famosa ovelha Dolly. Não só ovelhinhas são clonadas, mas cartões de débito, como o meu, além de muitas outras coisas. E assim, vamos deixando para trás a pureza e a ingenuidade, passando a desconfiar de tudo e de todos, até da própria sombra.

Passando de maneira descuidada por situações como estas, a gente vai perdendo a virgindade e a inocência de ovelha. De tanto sermos pegos na distração e na inocência, acabamos deixando de ser os mansos cordeirinhos para ficarmos mais espertos, escolados e cheios de prevenções!

Muitas vezes somos iludidos por nossos erros de avaliação. Há muitos tigres extremamente agressivos e famintos à espreita de ovelhinhas distraídas. Somos apanhados justamente na distração e ingenuidade diante de determinadas circunstâncias.

Estes episódios talvez sejam pequenos exemplos da perda da inocência a que se referia o célebre escritor inglês William Blake com suas "Canções da Inocência e da Experiência", contrariamente ao que talvez expusesse outro William, o Wordsworth, com sua frase "O menino é o pai do homem", na minha interpretação "a criança deveria viver para sempre no adulto", mas não é isso o que acontece. O menino vai sendo violentado e morto, aos poucos, mas de forma definitiva, até se extinguir completamente no adulto que vai se transformando num ser descrente, desconfiado, sem fé.

Assim é o mundo. É impossível preservar a inocência e a pureza e não dá para andar distraído, pois há um chupa-cabra, em cada curva do caminho, querendo chupar o seu sangue e tirar o seu couro.

A gente ouve tanto falar, não só deste caso específico de clonagem por que passei, mas de tantos outros meios de lesar e ofender o outro. Cada dia aparece uma nova forma, criativa e inusitada, de passar o outro para trás, que nem prestamos muita atenção. Só quando acontece com a gente é que nos sentimos invadidos, violentados, deflorados. É somente aí que percebemos estar sendo torturada e morta, da maneira mais cruel que existe, a criança que deveria existir para sempre em nós.






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