Palavralgia
Parada no sinal vermelho, observo uma movimentação diferente entre os carros. Eram meninas adolescentes, de classe média, pintadas dos pés à cabeça com tintas coloridas. Provavelmente estavam cumprindo algum tipo de trote de início na universidade.

Minha filha também passou por isso. Lembro bem que, em sua primeira semana, só podia circular nas dependências da faculdade se estivesse carregando um balde de lavar roupas.

As adolescentes pintadas que andavam entre os carros, não. Estas carregavam sacolas de plástico, dessas de supermercado, onde depositavam os trocados que recolhiam dos veículos.

Todos os motoristas, homens e mulheres, abriram suas janelas e contribuíram alegremente com a brincadeira das meninas. Todas bonitinhas, graciosas, sorridentes e lambrecadas de tinta. Pude notar que as sacolas, em que carregavam os donativos dos motoristas, estavam pesadas e havia até nota de cinco reais, como verifiquei pela transparência do saco da bela mocinha que me abordou.

Será que estas jovens têm algum quê de não sei quê?

A mais ou menos um quilômetro dali, novo sinal fechado. Mais adolescentes pintados dos pés à cabeça. Agora, não circulavam entre os automóveis com sacos plásticos cheios de moedas. Em vez disso, subiam nos ombros uns dos outros em forma de pirâmide na frente dos veículos. O que ficava no cume, fazia malabarismo com limões. De repente, saltavam ao chão com as mãos vazias estendidas. Desta vez, contudo, ninguém abriu a janela, ninguém sorriu, ninguém contribuiu e eles voltaram, sem moedas, com visível cansaço estampado no rosto, às suas posições, esperando o sinal fechar novamente para continuar seu malabarismo por uma mísera moedinha.

Por que doamos a quem não carece e fechamos a janela e a cara para quem realmente precisa?

Muitos podem dizer que não doam porque eles vão se drogar. Outros podem argumentar que não abrem a janela com medo de serem assaltados.

Um grupo pede porque não tem; e talvez até precise mais de um olhar, de uma palavra, de afeto do que de moeda. É para estes que doamos o nosso desprezo.

Faça esta experiência. Eu já fiz várias vezes e é impressionante o resultado. Tente abrir a janela e sorrir. Preste atenção no semblante de seja lá quem for que esteja à sua janela. Perceba como é importante para ele se sentir olhado.

O que será que lhes falta além de tudo? O principal é a dignidade. O pior não é pedir e ninguém dar, mas ficar exposto àquela situação humilhante e indigna, muitas vezes para obter apenas um pedaço de pão. Ou alguém acha que aqui não existe fome?

O outro grupo pede por causa de um trote, uma brincadeira para fazer uma chopada na faculdade.

Por que evitamos o que é grave e aderimos muito mais facilmente ao que é brincadeira? A vida não é uma brincadeira, embora as brincadeiras façam parte da vida e a tornem muito mais leve. Se é inevitável que nos deparemos com certas circunstâncias em cada curva da vida, por que fechar a janela e seguir adiante como se não fossemos encontrar com ela novamente na outra esquina?

O intuito não é pôr em discussão ou criticar quem doa ou não, ou o destino que cada grupo dará ao dinheiro, mas entender a nossa visão, a nossa atitude, o nosso comportamento diante de situações como estas.

Por que tratamos os iguais de forma diferente?

Agora sou eu quem está no topo da pirâmide, sem habilidade nenhuma e tentando me equilibrar. De repente, salto ao chão e fico diante dos dois grupos de adolescentes. De mim mesma, o que tenho a oferecer?

Como tornar os iguais mais iguais?

Existem os quês de não sei quê, mas há também os por quês. É com estes que tenho me ocupado cada vez mais.

Eu só queria entender!

Palavralgia
Quero viver
Para me despedaçar,
Me repartir até onde alcançar,
Me multiplicar,
E quando achar que já me
Quebrei o suficiente,
Desfaço-me em mais
Infinitos fragmentos
Para me doar por completo
E talvez assim,
Conseguir me sentir inteira.
Palavralgia
Preciso desse tempo para poesia,
Senão o absurdo aconteceria
E eu simplesmente "desenlouqueceria"
E a vida? A vida...
Sem cor, sem fantasia,
Tristemente desbotaria.