Palavralgia
Em certo momento da
caminhada,
Interminável clareira me
atravessa
Em meio à plena verdura florestal.
Tudo é silêncio.
Nenhum movimento.
Só o não,
A cada pedaço de chão.
Chão sem caldo, sem recheio,
Cheio de pó e de pé.
É assim
Que o deserto anda em mim.
Palavralgia
Chove lá fora. Aqui ao lado escuto um choro
torrencial. Os raios iluminam o céu. Os estrondos de trovões confundem-se com
gritos, discussão e um choro convulsivo, sufocante. Vozes se alternam em alto
volume. Os trovões retumbam. Portas batem. Mais gritos, acusações e choro, o
barulho do elevador e, em poucos segundos, pneus cantam na chuva. De repente, nada! O silêncio.
Fiquei aflita e consternada por ouvir tudo isso.
Imagino o que se passa agora pela cabeça de cada um. Ela, aos soluços,
dirigindo na chuva noturna. Ele, em casa, no mais profundo silêncio.
O mar está de ressaca. Talvez o casal tenha bebido,
foi o que me ocorreu. Mas era improvável.
No dia seguinte, no mesmo horário, à noitinha, novos
barulhos. Desta vez, adolescentes cantam alegres na varanda e conversam
festivamente, no mesmo ambiente que havia servido de palco para outra encenação
na noite anterior.
Talvez estes adolescentes, na hora da tormenta,
estivessem em seus quartos ouvindo, como eu, toda a tempestade, mas como diz a
cantora Ana Carolina nos sábios versos da sua linda canção: “a vida sempre
continua...”
A tempestade havia passado. Dias depois, ouço a mulher
conversando normalmente com o homem com quem havia berrado dias atrás. As
nuvens se dispersaram. Mas as tormentas sempre deixam marcas e, dependendo da
intensidade, marcas profundas, de difícil recuperação.
Árvores ainda
se encontram nas pistas. O asfalto está avariado em vários pontos. Pontes
caíram. Os motoristas devem tomar cuidado. Vai dar trabalho para recuperar. A
paisagem será modificada em alguns trechos, avisam os noticiários.
A paisagem nunca será a mesma, após uma tempestade
catastrófica. Elas sempre deixam marcas e lembranças dos flagelados.
Somos flagelados de nossas próprias tempestades. Muitas
vezes conseguimos remendar nossas trajetórias e seguir em frente, ainda que com
árvores pelo caminho e rios caudalosos, com suas pontes caídas, a serem
atravessados.
Porém, nem sempre é assim. Às vezes sucumbimos na
travessia.
Precaução é a palavra mais correta. Quem se protege da
tempestade, corre menos perigo.
Às vezes, num momento de desespero, uma atitude
impensada pode nos marcar profundamente e as pessoas que nos cercam para o
resto da vida.
Haverá sempre árvores, pedras, obstáculos de todo tipo
a serem ultrapassados e rios caudalosos para atravessar. A prudência e a
precaução sempre serão bons instrumentos de que podemos lançar mão para auxílio
na travessia.
Apesar das tempestades intempestivas e apesar de nós,
a vida sempre continuará. Então para que se arriscar?
É isso aí!
Palavralgia
Para fisgar orgulho,
A gente tem que pegar mania
De desimportante.
Falo isso em referência aos
barros
de que são feitos os
Brinquedinhos de palavras do
Manoel.
Mistura de terra
Com águas de rio
E de chuva
Traduzida em cheiros,
Cores e seres comuns
A estes terrenos.
Tudo transformado em
Brinquedos
Com que a gente se
Deleita e se enche
De encantamentos.
(Homenagem a um dos meus poetas preferidos: Manoel de Barros)
(Homenagem a um dos meus poetas preferidos: Manoel de Barros)