Palavralgia


Se você tem um pouco de tempo e um punhado de tristeza,
Reserve uma parte do tempo e,
À outra porção, adicione a tristeza.
Misture bem, até virar uma massa quase homogênea.
Depois espalhe sobre uma folha em branco e
Deixe fermentar.
Então olhe bem para ela.
Vai crescer, depois murchar.
Use o restante do tempo
para ver a tristeza passar.
Palavralgia

 

National Geographic Brasil

Nada é para já... infelizmente.

No futuro, talvez, escafandristas de outras civilizações lancem um olhar de piedade sobre a nossa, por considerarem muito pueris registros de crenças atuais que encontrarão submersos. É possível que esses rabiscos rupestres, desenhados nas paredes da nossa cavernosa atualidade, ajudem arqueólogos de civilizações futuras a encontrarem um caminho menos tortuoso.

Eu me questiono frequentemente a respeito do olhar que hoje jogamos sobre as crenças das civilizações antigas em seus deuses, e me pergunto, ainda,  sobre a diferença entre este olhar atual e o dos indivíduos crentes daquela época.

Atualmente, muitos se perguntam por que aqueles serem humanos faziam gravuras nas rochas das grutas onde habitavam. Os homens das cavernas, como testemunham as inscrições arqueológicas em diversos sítios pelo mundo afora, possivelmente atribuíam poder mágico aos desenhos que faziam nas paredes. A aquisição desse poder talvez fosse uma das motivações para serem feitos os desenhos rupestres que encontramos até hoje. Tal magia girava, na maioria das vezes, em torno da caça. Eles acreditavam que, se pintassem mãos em volta do desenho de um bisão, por exemplo, as chances de fracasso na captura do animal seriam quase inexistentes. Creio que os seres ancestrais que habitam em nós ainda adotam essa prática de alguma forma. Sim, quando realizamos algum tipo de ritual para lograrmos um intento.

Já a civilização egípcia antiga tinha convicção na duração eterna da matéria, o que hoje nos causa até uma certa impressão de infantilidade, não é verdade? Como é que aquelas pessoas construíam túmulos e pirâmides colossais repletos de alas, câmaras e galerias labirínticas para levarem consigo seus pertences após a morte? Estes monumentos, ainda hoje, comprovam esta incrível realidade. 

Os gregos, por sua vez, criam no Olimpo, com seus deuses cheios de sentimentos e características humanas. 

Da mesma forma, os romanos aceitavam como real a existência de inúmeros deuses que decidiam, a seu bel-prazer, sobre a vida dos pobres mortais que pululavam sobre a Terra. 

Muitos povos da antiguidade praticavam rituais mágicos e cruéis para agradar e receber favores particulares dos deuses. Não há nada de comicidade neste fato, nem naqueles tempos recuados e nem nos atuais, em que os tenebrosos desejos de “deuses” sequiosos continuam sendo saciados em escambos escusos. 

Os indígenas, até hoje, acreditam na influência dos deuses sobre a chuva, a guerra e a prosperidade dentre outras coisas. 

Este tema me traz uma profunda reflexão acerca das crenças da atualidade. Em que cremos nós? E qual a relação que se estabelece entre os processos mentais dos povos antigos e dos atuais? 

As nossas convicções são algo muito particular, é claro, e não me refiro somente à religião e questões existenciais, mas também, às informações cotidianas que nos bombardeiam incessantemente. Volto a perguntar: em que cremos nós? E como tratamos as notícias que nos chegam? 

Quem somos neste rito de magia e encantamento, os encantadores ou os encantados, os bisões ou as mãos que desejam pegá-los, como nos desenhos das paredes pré-históricas? 

Desde o Paleolítico, período de aparecimento das pinturas rupestres, até hoje, muito se evoluiu. Alguns acreditam que já estamos vivendo em Terra 2. Eu penso que já estamos habitando Terra 3, porém ainda nos deparamos todos os dias com indivíduos que precisam, por exemplo, pegar um ônibus para ir ao Banco e enfrentar fila para receber o pagamento, por não conseguirem lidar com cartões, computadores, celulares e toda a parafernália tecnológica, sem falar nos novos padrões comportamentais, trabalhistas e familiares dentre outras questões peculiares à Terra 3. Estas pessoas estão presas na caverna do seu mundo, como os personagens daquele conhecido desenho animado, A Caverna do Dragão. Elas não conseguem sair de jeito nenhum. Os escafandristas investigarão as práticas e o modus vivendi das pessoas que ficaram presas para sempre nestas cavernas, assim como nós, hoje, pesquisamos a vida e os costumes das que viveram nas grutas do período Paleolítico. 

Também não é raro nos depararmos com seres consciencialmente pré-históricos andando por aí. Estes, sim, habitantes da, há muito superada, Terra 1, ainda estão em suas grutas particulares, presos, limitados, sem conseguirem ver a luz, como descrito na Alegoria da Caverna, de Platão, e, mais recentemente, no Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. 

De acordo com a teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin, o avanço se dá por meio de um processo seletivo natural em que sobreviverão aqueles que possuírem maior capacidade de adaptação a novas situações.

Por isso, é preciso que saiamos das nossas obscuras cavernas a caminho da luz. Precisamos nos adaptar ao ambiente iluminado pela nossa própria capacidade de discernimento e compreensão da realidade. E isso só é possível através da expansão mental, da reflexão, do exame minucioso das nossas próprias crenças, assim como das informações que nos seduzem todos os dias, da mesma forma que os primeiros donos da nossa terra eram seduzidos com espelhinhos e colares de miçangas. 

Muitas das nossas crenças atuais chegam a ser muito cômicas, de tão infantilizadas, o que certamente despertará piedade nos futurísticos escafandristas que se compadecerão ao verem onde, após milênios, permanecemos mergulhados.
Palavralgia

Este ano, o Blog Plavralgia completa sua 12ª Primavera. Atingiu a pré-adolescência. Parece que foi ontem que comecei a postar minhas histórias. Alguns textos, antes de virarem livro, foram publicados aqui. Foi neste Blog que meus livros nasceram, por esta razão o mantenho "vivo". 

É interessante "passear" pelos anos e observar, através dos escritos, os temas de cada época. Ele é um importante registro sobre o meu trabalho com a escrita, que sempre foi para mim uma forma de desabafo e a minha melhor forma de expressão. No Blog, podem ser encontrados ensaios, crônicas e poesias, que espelham o meu eu mais profundo e as minhas reflexões sobre temas cotidianos. Por isso, dou tanta importância a este trabalho que considero uma extensão da minha casa mental. 

Assim, celebro estes 12 anos, que refletem tantos outros debruçada sobre o papel em branco onde desmancho questionamentos, dores e sentimentos em palavras.

Palavralgia
Desenho de Pietro Morando
Vastos são os campos de batalha e os inimigos se multiplicam em nós. São milhares de feras, seres monstruosos e selvagens. Todos muito mais fortes e poderosos e todos espectros de nós mesmos.

São eles que habitam o mundo que deveria ser só nosso e tudo por nossa culpa, porque não conseguimos contê-los e acabamos soltando os bichos que ameaçam a paz do mundo.

As guerras do mundo são aterrorizantes, mas muito mais terríveis que as guerras que vitimam milhares de pessoas mundo afora, são as guerras íntimas que travamos conosco mesmos, porque são elas que fazem existir as guerras do mundo.

Parecemos soldados sem treinamento numa guerra muito grave, em que o massacre parece inevitável.

As lutas são infinitas e, muitas vezes, concomitantes. É preciso exterminar os monstros que se erigem gigantescos dentro de nós, para vencermos as guerras do mundo.

Estes monstros ferem, machucam, devoram, deglutem e nos excretam sem nos digerir.

Normalmente, essa é a nossa condição: a de dejeto dos monstros que não conseguimos vencer em nós mesmos, aí eles fazem o que querem de nós.

Isto tudo porque não lançamos mão das poderosas armas de que dispomos e, ignorantes, não montamos uma vigorosa estratégia de combate a essas feras vorazes e implacáveis que nos consomem por dentro e por fora.

Combalidos, sucumbimos a todas as batalhas, transformando-nos em território conquistado pelos seres alienígenas que sustentamos.

É imperioso dominar essas bestas para vencer as guerras do mundo. É preciso lutar para não sermos devorados. Só assim, superaremos a pobre condição de dejetos para conquistarmos a nobre condição de combatentes.

Precisamos deixar de existir como excreção dos monstros, desprezada e abandonada pelas próprias bestas, que pisoteiam seus próprios restos e se materializam em cada esquina, tirando a paz e o sossego do mundo.

Todos estes monstros vivem em nós e se alimentam do nosso plácido comodismo. Fazem de nós seres assustados, medrosos, acuados, vencidos. Vencem fácil, fácil a guerra que não acabará nunca se não dissermos para nós mesmos: - Basta!

Talvez, nunca consigamos extinguir totalmente estas feras em nós. Mas, quem sabe, não possamos domá-las, domesticá-las, para podermos sair de casa mais tranqüilos? Pode ser que, impetuosas, elas até queiram se desprender ao se deparar, aqui e ali, com outras feras, quando dirigimos nosso carro, por exemplo, mas, quem sabe, já não seja possível contê-las?

É possível que, com pequenas medidas, teremos dado grandes passos para deixarmos de ser presas fáceis, vitimadas pelas feras que, freqüentemente, deixamos escapar da nossa batalha íntima para contribuir fortemente na guerra do mundo.

Cada um sabe as feras que cativa e, com certeza, cada um saberá a melhor forma de aplacar a sua voracidade e selvageria pois, como diz o poeta, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

O domador dorme e as feras ficam à solta. Dorme pesado enquanto vive o pesadelo.

E aqui estou eu querendo assumir a minha parcela de culpa e acordar deste interminável sonho ruim.

Portanto, domemos as nossas feras e monstros particulares. Engulamos nós os sapos, as cobras e os lagartos, antes de sermos engolidos. Excretemo-los para que não haja guerra nos mundos interiores e exteriores a nós.

Não parece incoerente soltarmos os bichos no mundo e depois sairmos gritando por paz?

Assim somos nós, seres cheios de contradições, que se explodem e se espalham pelo mundo feito o gás carbônico que nos sufoca e nos faz adoecer, enquanto fingimos que nem é conosco.

Se evitássemos estas explosões, talvez inibíssemos as emissões deste gás letal que transforma o mundo em ambiente apropriado para feras.

E assim, vamos transformando o mundo e tornando o ar irrespirável com as nossas explosões, começando dentro da nossa própria casa e culminando com as explosões das guerras que tornarão o nosso mundo um lugar perfeito para abrigar somente seres monstruosos.

As feras vivem em nós e são viciadas em gás carbônico. É preciso oxigenar nossos cérebros e para isso é necessário tornar o nosso ar respirável, começando pela nossa própria casa. Só assim daremos cabo, em nós mesmos, das feras viciadas que fazem existir as guerras do mundo.

Precisamos renovar nossas energias para acabar com as guerras do mundo e deixarmos, definitivamente, de viver num mundo de guerras.


16/07/2009