Palavralgia
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Volta e meia, deparo-me inesperadamente com resenhas inéditas dos meus livros! Adorei esta feita pelo Gustavo Machado, do Blog @beco.literario. Ficou show, Gustavo, só agora tive acesso e por acaso. Amei seu olhar filosófico!

Para ler a resenha do Gustavo, basta clicar no link abaixo da imagem.
Palavralgia
Imagem: http://www.joaocarvalho.com.br/site/artigos
Há um vazio repleto!
Algo que não há como
Definir ao certo.
Talvez uma plenitude de nada
Que se percebe nos entrevãos de tudo.

Palavralgia
https://pixabay.com/pt/photos/balao
Certa feita, quando eu ainda estava na faculdade, li um texto (pesquisei para tentar encontrá-lo e citar a fonte, mas não o encontrei) onde o próprio Guimarães Rosa falava sobre o processo de criação de um dos seus mais famosos contos: A Hora e Vez de Augusto Matraga integrante do seu não menos famoso livro Sagarana. Contava Rosa que estava dentro de um ônibus quando lhe veio a ideia do conto. Ele relata que evitava olhar para os lados para impedir que a ideia escapasse. A inspiração, segundo o escritor, assemelhava-se a um balão que pairava sobre sua cabeça. Seu receio era de que o balão se rompesse com qualquer distração e a inspiração fosse perdida para sempre. Ele, de olhos fechados, apertava levemente, com os dedos polegar e indicador de uma das mãos, o lugar entre as sobrancelhas a fim de se fixar ao "balão”. Quando o ônibus freava, sentia como se o balão fosse se desprender e estourar. A impressão era a de que o balão se movimentava, para frente e para trás, conforme o balanço do coletivo. Não via hora de saltar para, enfim, registrar suas ideias. Quando chegou ao seu destino, não falou com ninguém, foi direto em busca de papel, lápis e um lugar sossegado. Assim foi criado o conto A Hora e Vez de Augusto Matraga que, mais tarde, viraria filme. E nós damos graças a Deus porque o balão não se estourou.

A imagem do balão é muito ilustrativa quando se fala de inspiração e vai bem ao encontro do que relatou a escritora Clarice Lispector sobre a sensação de vazio após terminar um trabalho, quando todo o conteúdo do “balão” já foi despejado. Então, o "buraco" se instaura. Diz a escritora, no livro Clarice Lispector entrevistas (deixo as referências bibliográficas no final do artigo), que, quando não está escrevendo, não sabe como é que se escreve.

O cantor Chico Buarque relatou a Clarice, no mesmo livro: “hoje acordei com um sentimento de vazio danado porque ontem terminei um trabalho.” Ao que a escritora respondeu: “Eu também me sinto perdida depois que acabo um trabalho mais sério.”

É muito interessante refletir sobre o relato destes grandes vultos nacionais a respeito do vazio após a escrita. Este sentimento de que nunca mais será possível escrever de novo é extremamente angustiante e até comparado à morte por alguns autores, inclusive pela própria Clarice.

Ocorre o esgotamento do tema quando se termina uma obra. Isso produz um efeito de escassez porque somente haverá plenitude novamente quando outro tema se apresentar. Mas quando? Sobre isso, nenhum autor pode ter certeza e a dúvida paira no ar. Será que a inspiração vai chegar? Esta é a eterna inquietação dos que trabalham sob inspiração.

“Vem às vezes em nebulosa sem que eu possa concretizá-lo (o trabalho) de algum modo. Também como você (Chico Buarque), passo dias ou até anos, meu Deus, esperando. E, quando chega, já vem em forma de inspiração. Eu só trabalho em forma de inspiração.”

LISPECTOR, Clarice. Clarice Lispector entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
Palavralgia
Eu sou contida!

Só algumas vezes.
Outras, eu me desperdiço
Em toadas entoadas
Sem qualquer contenção.

Sigo derramando-me
Por todos os lados
Em versos entoados
Para espalhar o coração.

Palavralgia

Ler Clarice é como se aprende a ler.

Escrevi a frase acima porque tenho revisitado Clarice ultimamente e ela é sempre surpreendente e inovadora. Por mais que você a releia, sempre encontrará algo transcendental em qualquer coisa banal.

O que me captura em Clarice é o seu olhar diferente para coisas banais do dia a dia. Um olhar que as pessoas comuns não têm. Para mim, um ovo sempre será um ovo, mas o olhar de Clarice nele alcançará algo diferente. Esta capacidade é ao mesmo tempo surpreendente e arrebatadora: surpreendente porque seu olhar sobre as coisas triviais são impensáveis e arrebatadora justamente porque surpreendente e inimaginável.

Esta forma diferenciada de ver as coisas é como um estranhamento. Observar o universo com um olhar incomum, estranho era o natural de Clarice, pois ela mesma era estranha, estrangeira. Talvez o sentimento de não pertencimento fizesse com que Clarice estranhasse o mundo ao seu redor e esta peculiaridade fez toda diferença em sua obra.

A escritora nasceu em uma pequena cidade da Ucrânia. Seus pais fugiam da Guerra Civil Russa e só pararam na cidadezinha ucraniana para Clarice nascer. De lá, migraram para Brasil, tendo vivido em Maceió, Recife e Rio de Janeiro. Mais tarde, quis o destino que Clarice não fixasse paradeiro e continuasse a ser estrangeira. Ela correu mundo ao casar-se com um diplomata, tendo morado em países como Itália, Inglaterra, Suíça, Estados Unidos o que, possivelmente, reforce o sentimento de estranhamento que perpassa todo o seu trabalho.

Por ter mencionado neste breve artigo, recomendo o conto O Ovo e a Galinha e, por ter sido arrebatada à primeira leitura, e também à segunda, e, possivelmente nas próximas, indico o conto A Imitação da Rosa, que é também o motivo desta postagem. Os dois contos são da autora, é claro.

Depois me contem suas impressões.
Palavralgia
Imagem: https://www.ohmygift.co.uk/
Levei um tiro!

Pegou bem em cheio no meu coração. Pareceu um tiro de canhão, porém não senti nada. Achei que tinha morrido, mas sobrevivi ao turbilhão. Quantos não resistem aos tiroteios e balas perdidas?

Não sei de onde veio este disparo que fez disparar meu coração e quase o parou para sempre. Não ouvi o estampido, mas fui levado às pressas. Tive sorte e muito medo da morte, que sorriu um sorriso embaçado para mim, depois sumiu em meio a uma névoa espessa.

O impacto do tiro, milagrosamente sem efeito mortal como era de se supor e acreditar, deixou cicatrizes difíceis de apagar. São marcas forjadas muito mais nos tecidos sutis das camadas psíquicas, que propriamente na pele.

O tiro foi como uma bomba que explodiu danificando a outra bomba que quase parou de bombear por causa do bombardeio. Quantos não perecem? Os bombardeios são constantes nesta esfera. Os tiros partem de todos os lados. Isso estraçalha corações, despedaça construções, destrói conexões.

O meu coração biológico, que nunca foi terra de estiagens, agradece a oportunidade de continuar no compasso, ultrapassando, por pontes seguras, com relativa serenidade, todas as adversidades.

As pontes do meu coração cidadão ligam esperanças a sonhos. Por isso, ele continua milagrosamente batendo e combatendo, em meio a uma guerra injusta e dolorosa, no intuito de fazer o direito à vida prevalecer.

O meu coração continental precisa agora de pontes resistentes para realizar a travessia segura, de uma, para outra realidade a qual, se espera ardentemente, seja de reabilitação, a fim de que a vida flua com mais respeito e sentimento de dignidade no peito.
Palavralgia
Imagem: Rádio Nova Era, de Brasília
Estou me acabando de rir! A vida é engraçada: numa hora a gente ri para se acabar, na outra, a gente não acha graça de nada. 

Estou me acabando de chorar! A vida é triste: numa hora a gente chora para se acabar, na outra, a gente não vê por que chorar.

Estou me acabando de rir e de chorar, porque estou me acabando. Assim é feita a vida: numa hora a gente ri porque acha graça, na outra, a gente chora de tristeza. De tanto rir e chorar, uma hora a hora chega e a gente se acaba porque é da nossa natureza.
Palavralgia
A escrita, para mim, funcionará sempre como terapia.
Palavralgia
Segui os passos da minha avó, que trabalhava numa fábrica de tecidos. Ela tecia fibras naturais para confecção de peças de vestuário, mas a empresa acabou sucumbindo às importações e minha avó precisou se aposentar.

Enveredei pelos mesmos caminhos, mas o meu tecido é feito de tessitura tênue, mas firme, com fios narrativos e serve para desnudar pensamentos. Entre mim e minha avó existe um hiato de tempo: não aquele que fez com que ela partisse antes de mim, mas o que possibilitou a nossa produtiva convivência, apesar da diferença de idade. O contato próximo com os avós é sempre uma experiência enriquecedora.

O generoso e terno mundo permitiu que eu tivesse proximidade com duas avós, ambas tecelãs. Da minha avó paterna, herdei trançar com linhas e agulhas. O tempo teceu para mim avós que me couberam como uma luva de crochê. Elas me ensinaram a ver o mundo através de linhas entrelaçadas em intrincadas tramas. Por isso, escolhi ser tecelã de palavras. Com estes tecidos, dispo minha alma, confeccionando lindas fantasias que me cabem perfeitamente para transitar neste mundo tão generoso e terno.

Assim, à medida que avanço nos tecidos, cubro-me, ou melhor, descubro-me operária desta fábrica que, assim como a da minha avó, está fadada a fechar. Contudo, este mundo terno e generoso nunca permitirá que eu me aposente como tecelã. Continuarei sempre em meus aposentos entrelaçando fios narrativos para despir sentimentos.