Certa feita, quando eu ainda estava na faculdade, li um texto (pesquisei para tentar encontrá-lo e citar a fonte, mas não o encontrei) onde o próprio Guimarães Rosa falava sobre o processo de criação de um dos seus mais famosos contos: A Hora e Vez de Augusto Matraga integrante do seu não menos famoso livro Sagarana. Contava Rosa que estava dentro de um ônibus quando lhe veio a ideia do conto. Ele relata que evitava olhar para os lados para impedir que a ideia escapasse. A inspiração, segundo o escritor, assemelhava-se a um balão que pairava sobre sua cabeça. Seu receio era de que o balão se rompesse com qualquer distração e a inspiração fosse perdida para sempre. Ele, de olhos fechados, apertava levemente, com os dedos polegar e indicador de uma das mãos, o lugar entre as sobrancelhas a fim de se fixar ao "balão”. Quando o ônibus freava, sentia como se o balão fosse se desprender e estourar. A impressão era a de que o balão se movimentava, para frente e para trás, conforme o balanço do coletivo. Não via hora de saltar para, enfim, registrar suas ideias. Quando chegou ao seu destino, não falou com ninguém, foi direto em busca de papel, lápis e um lugar sossegado. Assim foi criado o conto A Hora e Vez de Augusto Matraga que, mais tarde, viraria filme. E nós damos graças a Deus porque o balão não se estourou.
A imagem do balão é muito ilustrativa quando se fala de inspiração e vai bem ao encontro do que relatou a escritora Clarice Lispector sobre a sensação de vazio após terminar um trabalho, quando todo o conteúdo do “balão” já foi despejado. Então, o "buraco" se instaura. Diz a escritora, no livro Clarice Lispector entrevistas (deixo as referências bibliográficas no final do artigo), que, quando não está escrevendo, não sabe como é que se escreve.
O cantor Chico Buarque relatou a Clarice, no mesmo livro: “hoje acordei com um sentimento de vazio danado porque ontem terminei um trabalho.” Ao que a escritora respondeu: “Eu também me sinto perdida depois que acabo um trabalho mais sério.”
É muito interessante refletir sobre o relato destes grandes vultos nacionais a respeito do vazio após a escrita. Este sentimento de que nunca mais será possível escrever de novo é extremamente angustiante e até comparado à morte por alguns autores, inclusive pela própria Clarice.
Ocorre o esgotamento do tema quando se termina uma obra. Isso produz um efeito de escassez porque somente haverá plenitude novamente quando outro tema se apresentar. Mas quando? Sobre isso, nenhum autor pode ter certeza e a dúvida paira no ar. Será que a inspiração vai chegar? Esta é a eterna inquietação dos que trabalham sob inspiração.
“Vem às vezes em nebulosa sem que eu possa concretizá-lo (o trabalho) de algum modo. Também como você (Chico Buarque), passo dias ou até anos, meu Deus, esperando. E, quando chega, já vem em forma de inspiração. Eu só trabalho em forma de inspiração.”
LISPECTOR, Clarice. Clarice Lispector entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.