Palavralgia
Reedito o texto O Que Você Vai Ser Quando Crescer? que acabou de ser premiado na categoria Crônicas, da publicação Prêmio Literacidade 2011.

Quando eu tinha dez anos, adorava brincar de bonecas. Naquela época não existia a Barbie e eu tinha a Susi Faz-Pose; uma loura e outra morena. Tinha também uma bonequinha menor, chamada Valentina. Passava as tardes, após a escola, costurando roupas novas para as bonecas. Até pensei que eu poderia ser costureira quando crescesse, de tantas roupinhas que eu confeccionava para elas.
Palavralgia
Eu amo Pessoa!
Eu amo pessoas.
Por isso, descubro-me um
produto resultante de
todas as poesias que li,
das pessoas que conheci e
das experiências que vivi.
Um jeito, um trejeito,
uma cara, uma palavra,
eu me reinvento a cada dia.
E para superar as ironias...
eu finjo, como se fosse poeta,
um pouquinho de Pessoa,
um pinguinho de gente
derramado sobre o vasto tapete que
se estende mundo afora,
com tudo o que há de dor,
com tudo o que há de amor,
com seja lá o que for. (escrito em 26/05/2009)

Fotos tiradas, em 22/05/2011, na exposição Plural Como o Universo, no Centro Cultural dos Correios - Rio de Janeiro 

Palavralgia
"Tem mais presença em mim o que me falta"                                                                 Manoel de Barros
Palavralgia
Em meados do ano passado, tive uma tarde/noite maravilhosa na companhia da, não menos maravilhosa, amiga de anos e anos, Angela. Fomos assistir, no Teatro Sesi do Centro da Cidade, à Beth Goulart interpretando  “Simplesmente eu, Clarice Lispector”. Um show.  Além da semelhança física da atriz com a escritora, a interpretação dos textos densos e reflexivos de Clarice impressionaram bastante. O figurino, um deslumbre. Tudo muito lindo e bastante conteúdo para refletir.
O Teatro localiza-se na Rua Graça Aranha. Deixamos o carro no Edifício Menezes Cortes, que fica no outro extremo desta mesma rua. Há tempos eu não ia ao Centro, onde trabalhei  durante muitos anos. Mas isso já faz muito tempo. Naquela época, eu costumava transitar, frequentemente, por aquelas ruas.
Na noite do teatro com a minha amiga Angela, caminhamos todo o percurso da rua Graça Aranha, do Edifício Garagem até o Teatro Sesi, uns três ou quatro quarteirões a pé. Ao pararmos numa das esquinas, aguardando o sinal para atravessar, “bateu” certa saudade dos longínquos tempos em que eu costumava andar por ali; e, enquanto o sinal não abria, sem que minha amiga suspeitasse, eu pensava: “quantas e quantas vezes eu já não estive neste mesmo local em outras ocasiões. Nada mudou muito por aqui.”
A noite foi muito agradável: colocamos o papo em dia, tomamos café, assistimos à maravilhosa peça, comentamos nossas impressões sobre o espetáculo, falamos sobre Clarice, suas roupas deslumbrantes e tudo mais. Cheguei a casa com a alma leve, mas aquele pensamento que cruzou a minha mente na esquina não me abandonou e eu acabei escrevendo naquela noite do final do mês de maio de 2010 a crônica Esquina, que somente agora publico. Confira abaixo.
Palavralgia
Há muito tempo eu não passo por esta esquina.

Enquanto aguardo para atravessar, lembro quantas vezes por aqui passei em outras épocas remotas, de tantas outras histórias. Agora a história é outra, diferente daqueles tempos em que andava por estas esquinas. Hoje sou outra pessoa, com questões e direções diferentes.

É estranho ser outra pessoa no mesmo lugar. Dá uma sensação de tentativa de reconhecimento do que parece nunca ter existido, apesar de tudo estar aqui, na minha frente, exatamente como sempre foi. Hoje, tenho outro olhar, mas apesar disso, a esquina me parece a mesma, igualzinha àquela pela qual eu caminhava em outros tempos. Agora também os tempos são outros e serão outros ainda daqui a um tempo. Mas a esquina será sempre a mesma com a marca dos meus pés de ontem e de hoje e talvez com a marca dos meus pés de amanhã, e também com as marcas de tantos outros pés.

Tantas vezes esta esquina cruzou os meus caminhos em outras ocasiões. Tem um pouco de mim aqui, um pouco da minha presença, do meu pensamento, um pouco do que eu deixei de ser. Enquanto estou aqui parada nesta esquina, transporto-me e encontro-me com o que já não sou. Tento fazer algumas perguntas, mas as respostas que dou a mim mesma parecem ininteligíveis. É uma tentativa de conversa entre dois mundos que subsistem no mesmo lugar, na mesma esquina.

O sinal já abriu e fechou várias vezes e eu continuo aqui esperando as respostas que eu não consigo dar a mim mesma e procurando fazer descobertas sobre o que um dia fui. Persisto nas perguntas, mas os mundos subsistentes têm características e linguagens peculiares a cada um. Por isso tanta estranheza diante do que deixei de ser e tanta ansiedade pelas respostas que não consigo obter.

É imensurável a distância existente entre dois pontos que se localizam exatamente no mesmo lugar. Lugar este que testemunha impassível a tentativa de diálogo entre dois seres de mundos diversos.

Parece-me egoísta querer que a esquina se mostre diferente diante da minha tentativa de diálogo com o que já não existe. Há tantas outras marcas aqui, além das minhas. Há tantas outras vozes, as quais, possivelmente, causem ruído na minha tentativa de diálogo. Há tantas outras pessoas à minha volta agora, todas elas diferentes das que me cercavam nesta mesma esquina em outros tempos. É possível que elas, como eu, esbarrem em suas próprias presenças e nem percebam, porque seguem em frente indiferentes aproveitando o sinal aberto. Mas eu não. Eu estou aqui momentaneamente parada, diante do sinal aberto, diante do sinal fechado, esbarrando no que, há muito, deixou de existir e tentando fazer alguma descoberta sobre mim mesma.
Palavralgia
Poema selecionado para integrar a publicação 100 POEMAS, 100 POETAS, da Editora LiteraCidade. A publicação estará disponível em agosto de 2011.

Apraz-me abrir frentes
para meus versos
porque é neles que está
guardado tudo que há
de mais essencial em mim.

Pela frente,
Tudo que há
É paisagem.
É do outro lado
Que se encontram
O reverso, o controverso
E tudo o que há no verso.