Há muito tempo eu não passo por esta esquina.
Enquanto aguardo para atravessar, lembro quantas vezes por aqui passei em outras épocas remotas, de tantas outras histórias. Agora a história é outra, diferente daqueles tempos em que andava por estas esquinas. Hoje sou outra pessoa, com questões e direções diferentes.
É estranho ser outra pessoa no mesmo lugar. Dá uma sensação de tentativa de reconhecimento do que parece nunca ter existido, apesar de tudo estar aqui, na minha frente, exatamente como sempre foi. Hoje, tenho outro olhar, mas apesar disso, a esquina me parece a mesma, igualzinha àquela pela qual eu caminhava em outros tempos. Agora também os tempos são outros e serão outros ainda daqui a um tempo. Mas a esquina será sempre a mesma com a marca dos meus pés de ontem e de hoje e talvez com a marca dos meus pés de amanhã, e também com as marcas de tantos outros pés.
Tantas vezes esta esquina cruzou os meus caminhos em outras ocasiões. Tem um pouco de mim aqui, um pouco da minha presença, do meu pensamento, um pouco do que eu deixei de ser. Enquanto estou aqui parada nesta esquina, transporto-me e encontro-me com o que já não sou. Tento fazer algumas perguntas, mas as respostas que dou a mim mesma parecem ininteligíveis. É uma tentativa de conversa entre dois mundos que subsistem no mesmo lugar, na mesma esquina.
O sinal já abriu e fechou várias vezes e eu continuo aqui esperando as respostas que eu não consigo dar a mim mesma e procurando fazer descobertas sobre o que um dia fui. Persisto nas perguntas, mas os mundos subsistentes têm características e linguagens peculiares a cada um. Por isso tanta estranheza diante do que deixei de ser e tanta ansiedade pelas respostas que não consigo obter.
É imensurável a distância existente entre dois pontos que se localizam exatamente no mesmo lugar. Lugar este que testemunha impassível a tentativa de diálogo entre dois seres de mundos diversos.
Parece-me egoísta querer que a esquina se mostre diferente diante da minha tentativa de diálogo com o que já não existe. Há tantas outras marcas aqui, além das minhas. Há tantas outras vozes, as quais, possivelmente, causem ruído na minha tentativa de diálogo. Há tantas outras pessoas à minha volta agora, todas elas diferentes das que me cercavam nesta mesma esquina em outros tempos. É possível que elas, como eu, esbarrem em suas próprias presenças e nem percebam, porque seguem em frente indiferentes aproveitando o sinal aberto. Mas eu não. Eu estou aqui momentaneamente parada, diante do sinal aberto, diante do sinal fechado, esbarrando no que, há muito, deixou de existir e tentando fazer alguma descoberta sobre mim mesma.