Palavralgia
Mexendo e remexendo o lugar para onde normalmente vou quando estou meio assim, me sentindo um peixe fora d'água, adivinha o que encontrei? Uma "pérola" escrita em 2003. Já estou mergulhando de volta.

O peixe fora d’água tem destino certo e cruel.

Estando ele fora do seu habitat natural, onde é provido de todo o necessário à sua sobrevivência segura e saudável, fica fadado a um destino obscuro.

Com certeza, o peixinho não quer ser excluído do ambiente em que pode ter tudo o que precisa para viver feliz com seus semelhantes.

Contudo, fatores, nem sempre desconhecidos, desequilibram esta estabilidade, fazendo com que o peixinho caia numa malha fina e embaraçada, quase impossível de se desprender, sendo arrastado, em meio à grande turbulência, ao doloroso final de sua existência.

Ninguém quer ser um peixe fora d‘água para morrer à margem, à mingua do que lhe é essencial, após turbulento arrastamento através de águas revoltas, preso a intrincadas e indissolúveis malhas.

Esta é uma força contra a qual o peixinho não pode lutar sozinho. Mas sabemos que, se os peixões grandões, fortões e poderosos, que dificilmente caem nas armadilhas da vida oceânica, se dispuserem a ajudar com seus dentões grandões e afiados, num esforço que muito pouco lhes custaria para desfazer os nós das intrincadas malhas desta impiedosa rede, que se vai tecendo através dos tempos, certamente o peixinho pequenino e fraquinho teria muito mais chances de sobrevida.

Mas não é preciso ser peixão fortão para ajudar a livrar os peixinhos dessa situação embaraçada e embaraçosa. Os peixes medianos, que também caem na rede, mas que, se virando daqui e dali, com a ajuda do seu porte um pouco mais avantajado, se debatendo de lá e de cá, acabam por se desprender das malhas, estes também podem ajudar.

Até os peixinhos fraquinhos e pequenininhos, com muito menos chances, recursos e possibilidades, envidam esforços que, muitas vezes, resultam positivos no sentido da preservação da vida.

Agora imaginemos, peixes, peixinhos e peixões imbuídos do instinto de conservação, contribuindo, num esforço conjunto, para o bem-estar coletivo de um oceano pacífico... haveria inúmeras possibilidades para peixes, peixinhos e peixões mergulharem fundo nesta incrível e muito possível aventura de manutenção do equilíbrio, harmonia, serenidade e tranqüilidade do mar que foi feito para todos os peixes.
Palavralgia
Ando meio confusa mesmo. Não raro, me atrapalho com as ideias e com as situações. Mas eu acho que isso acontece muito por falta de entendimento e compreensão diante dos acontecimentos. Parece que estou funcionando fora de rotação.

Isso me faz recordar de que, quando era criança, eu possuía uma rádio-vitrola cor de abóbora, que tinha quatro rotações: 16, 33, 45 e 78 e eu adorava ficar trocando as rotações, enquanto o disco tocava. Era engraçado, o som saía rápido demais ou muito lento, na rotação mais baixa.

Hoje, eu me sinto meio assim: em algumas situações parece que eu estou na rotação 16 enquanto os acontecimentos seguem em rotação 78. Não há meios mesmo de entendimento e eu me confundo toda! Até me esforço bastante para alcançar a rotação 33, que é a que melhor se ajusta a uma razoável compreensão, mas acontece que o planeta está para lá de 78. Decerto, foi acoplado algum tipo de acelerador no movimento em torno de seu eixo, que está fazendo tudo chacoalhar adoidado por aqui. Acho até que, em vez de mudar de rotação, estou trocando é de translação. Para este caso, no entanto, não sei se existe ajuste possível, tipo o das rotações, porque na translação são dois movimentos em questão. Seria algo, mais ou menos, como ficar rodando em torno da sala com a minha vitrola cor de abóbora na mão, enquanto ela toca um disco. Só de pensar fico zonza. É exatamente assim que me sinto muitas vezes, fora de freqüência, fora do eixo, sem ajuste.

Na época em que eu brincava com a vitrola, era engraçado, mas não passava de uma brincadeira. Agora, não. Agora a coisa é à vera, e nada engraçada, apesar de que, muitas vezes, possa parecer. O normal é ser bem para lá de 78, sei lá; 780.000.000, não sei. Só sei que estou confusa, atrapalhada, me esforçando para alcançar uma freqüência que permita algum entendimento, alguma compreensão. Está difícil.

A vitrolinha, que tanto serviu de entretenimento, não mais existe. De tanto mudar de rotação, além de arranhar vários discos, a vitrola começou a apresentar defeitos. Mas mesmo assim, depois de ter seu braço arrancado, ainda foi útil em outras atividades, quando comecei a usar seu prato rotatório para modelar argila. Produzi, assim, uma infinidade de peças para a feira de ciências da escola.

Talvez seja isso: assim como a vitrola, exposta a tantas situações bizarras, coitada, eu também esteja começando a dar defeito. Contudo, tenho receio de, diferentemente da adorável vitrolinha cor de abóbora, não conseguir ser útil e criativa suficientemente para driblar toda essa confusão e, ainda, ter resistência para funcionar de outra maneira.

É possível que, para deixar de ratear, eu precise encontrar uma nova forma de subsistência. Para tanto, porém, necessário se faz que, assim como a vitrola, eu me reinvente ou assuma de vez a sucumbência.

Concluo, no entanto, que estou em desvantagem em relação à vitrolinha, que só perdeu o braço, pois sinto, com esta confusão toda, que eu estou perdendo, se não a cabeça, pelo menos o tino.
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Volto ao som da vitrola fora de rotação. Acho que ela quer me tocar. Preciso da reinvenção. Esta é uma necessidade uterina de renascimento, para tentar o ajuste possível fora dessa logicidade. Nada do que foi inventado até agora funciona direito, por isso o que serve a determinados modelos deve ser remodelado. Talvez seja preciso despir a aparente pureza das coisas e, como a vitrola, manchar de lama o corpo para nele projetar uma nova moldagem: um renascimento impuro para tornar legítima a continuidade, extensão de uma vida refeita onde não se acreditava mais utilidade. É como plantar violetas num violão sem cordas. O instrumento entrega, então, um novo tom, misturado com terra, sujo de lama e ainda assim, necessário.

E as violetas cultivadas pelo violão, que têm elas a ver com a vitrola? Elas também querem me tocar. Comparar violetas à vitrola é como comparar pentes a pombos e descobrir semelhanças em coisas que habitam mundos diferentes. Vistos à pequena distância, os contrastes sempre tendem a apresentar uma crescente similitude. “Passarinhos da mesma plumagem voam juntos”, mas nem sempre é assim, a natureza fornece atestado.

Se alguém imagina que vou discorrer sobre semelhanças entre coisas tão diferentes, já anuncio que não o farei. É preciso haver condições ideais para que seja possível o diálogo entre diferentes e iguais. Não gosto das coisas prontas, talvez por isso esta facilidade para admitir a imperfeição, facilidade esta que foi desenvolvida na ânsia da busca por novos moldes, novos modelos, novos sentidos.

A vitrola de som tosco termina por produzir esculturas de barro. Mas que falta de lógica é essa? Vitrolas não produzem esculturas. E quem disse que violões produzem violetas?

O que servia a um sentido entrega-se a caminhos outros sem ter “a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido”. Eu quero outra verdade. “Não quero a boa razão das coisas”, não quero ter razão; apenas descobrir novos sentidos.


Palavralgia
Encontro-me em pleno processo arqueológico de auto-escavação. Talvez seja possível alguma descoberta.
Palavralgia
É no ínfimo que se descobre o que é realmente grandioso.
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Palavralgia
Ultimamente, tenho aprendido muito sobre a importância do desimportante.
Palavralgia
Depois não me interessa.

Busco o que vem antes,
O incompleto, o inacabado,
O que pode ser alterado.

Busco o que vem antes,
Pela incompletude e
Pelo infinito universo de possibilidades.

Busco o que me antecede,
O que me prepara
E faz de mim um ser
Em permanente reconstrução.

Busco o que me abre as portas
A uma possível compreensão.