Palavralgia
Desenho de Pietro Morando
Vastos são os campos de batalha e os inimigos se multiplicam em nós. São milhares de feras, seres monstruosos e selvagens. Todos muito mais fortes e poderosos e todos espectros de nós mesmos.

São eles que habitam o mundo que deveria ser só nosso e tudo por nossa culpa, porque não conseguimos contê-los e acabamos soltando os bichos que ameaçam a paz do mundo.

As guerras do mundo são aterrorizantes, mas muito mais terríveis que as guerras que vitimam milhares de pessoas mundo afora, são as guerras íntimas que travamos conosco mesmos, porque são elas que fazem existir as guerras do mundo.

Parecemos soldados sem treinamento numa guerra muito grave, em que o massacre parece inevitável.

As lutas são infinitas e, muitas vezes, concomitantes. É preciso exterminar os monstros que se erigem gigantescos dentro de nós, para vencermos as guerras do mundo.

Estes monstros ferem, machucam, devoram, deglutem e nos excretam sem nos digerir.

Normalmente, essa é a nossa condição: a de dejeto dos monstros que não conseguimos vencer em nós mesmos, aí eles fazem o que querem de nós.

Isto tudo porque não lançamos mão das poderosas armas de que dispomos e, ignorantes, não montamos uma vigorosa estratégia de combate a essas feras vorazes e implacáveis que nos consomem por dentro e por fora.

Combalidos, sucumbimos a todas as batalhas, transformando-nos em território conquistado pelos seres alienígenas que sustentamos.

É imperioso dominar essas bestas para vencer as guerras do mundo. É preciso lutar para não sermos devorados. Só assim, superaremos a pobre condição de dejetos para conquistarmos a nobre condição de combatentes.

Precisamos deixar de existir como excreção dos monstros, desprezada e abandonada pelas próprias bestas, que pisoteiam seus próprios restos e se materializam em cada esquina, tirando a paz e o sossego do mundo.

Todos estes monstros vivem em nós e se alimentam do nosso plácido comodismo. Fazem de nós seres assustados, medrosos, acuados, vencidos. Vencem fácil, fácil a guerra que não acabará nunca se não dissermos para nós mesmos: - Basta!

Talvez, nunca consigamos extinguir totalmente estas feras em nós. Mas, quem sabe, não possamos domá-las, domesticá-las, para podermos sair de casa mais tranqüilos? Pode ser que, impetuosas, elas até queiram se desprender ao se deparar, aqui e ali, com outras feras, quando dirigimos nosso carro, por exemplo, mas, quem sabe, já não seja possível contê-las?

É possível que, com pequenas medidas, teremos dado grandes passos para deixarmos de ser presas fáceis, vitimadas pelas feras que, freqüentemente, deixamos escapar da nossa batalha íntima para contribuir fortemente na guerra do mundo.

Cada um sabe as feras que cativa e, com certeza, cada um saberá a melhor forma de aplacar a sua voracidade e selvageria pois, como diz o poeta, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

O domador dorme e as feras ficam à solta. Dorme pesado enquanto vive o pesadelo.

E aqui estou eu querendo assumir a minha parcela de culpa e acordar deste interminável sonho ruim.

Portanto, domemos as nossas feras e monstros particulares. Engulamos nós os sapos, as cobras e os lagartos, antes de sermos engolidos. Excretemo-los para que não haja guerra nos mundos interiores e exteriores a nós.

Não parece incoerente soltarmos os bichos no mundo e depois sairmos gritando por paz?

Assim somos nós, seres cheios de contradições, que se explodem e se espalham pelo mundo feito o gás carbônico que nos sufoca e nos faz adoecer, enquanto fingimos que nem é conosco.

Se evitássemos estas explosões, talvez inibíssemos as emissões deste gás letal que transforma o mundo em ambiente apropriado para feras.

E assim, vamos transformando o mundo e tornando o ar irrespirável com as nossas explosões, começando dentro da nossa própria casa e culminando com as explosões das guerras que tornarão o nosso mundo um lugar perfeito para abrigar somente seres monstruosos.

As feras vivem em nós e são viciadas em gás carbônico. É preciso oxigenar nossos cérebros e para isso é necessário tornar o nosso ar respirável, começando pela nossa própria casa. Só assim daremos cabo, em nós mesmos, das feras viciadas que fazem existir as guerras do mundo.

Precisamos renovar nossas energias para acabar com as guerras do mundo e deixarmos, definitivamente, de viver num mundo de guerras.


16/07/2009
0 Responses

Postar um comentário